sábado, 19 de julho de 2008

NEGRA CONCEIÇÃO A GUERREIRA DE MULUNGU - LITERATURA AFRO SERGIPANA - CONTO DE Severo D'Acelino






NEGRA CONCEIÇÃO;
A GUERREIRA DE MULUNGU

Severo D’Acelino


Era primavera ainda no tempo provinciano da escravidão, a Capitania de Sergipe vivia momentos de agitação política, sua maior economia se afundava, pela própria situação de mudanças, onde os sul davam as cartas e a cana de açúcar era substituída por café. Aqui os donos de engenhos se utilizavam dos escravos para pagar suas dívidas e o tráfico era a nota da vez, eles burlavam a lei, embarcando clandestinamente seus escravos para outras Províncias, era o apogeu do tráfico interprovincial., muitos destes senhores de engenhos estavam reféns da empresa Schramm, a quem detinha todos ativos patrimoniais dos senhores endividados, até os escravos estavam empenhados a Firma Schramm & Cia.

A Vila de Maruim fervilhava de agitação com a chegada de cargueiros, tropas de policia acompanhada pelo juiz municipal que dava batidas no maior estabelecimento da vila em busca de escravos fugidos em atendimentos a denuncias de que João Mulungu estaria na área para ser embarcado pela madrugada para outra vila afim de fugir da justiça. Enquanto a policia dava batida um grupos de usineiros e fazendeiros se reuniram pra tratar de suas dividas e negócios de suas fazendas, enquanto isso no cais do porto, diversas embarcações eram fiscalizadas o que fazia com que o pessoal levantasse comentários a cerca dos procurados e das perseguições, oferecendo diversas informações de prováveis locais que possivelmente estariam o procurados.

O movimento crescia, as pessoas iam e vinham nos seus afazeres sem deixar de olhar o movimento dos negros escravizados algemados esperando serem encaminhados ao seus destinos, uns vendendo os seus produtos outros desembarcando as cargas das embarcações.

Nas conversas levantadas pela força policial, uma das informações chamou atenção de que João Mulungu estaria com uma de suas mulheres no engenho Maria Teles e que teria sido visto na vila com um grupo de ciganos acompanhado de Manoel Jurema Galdino a mulata Conceição e mais dois companheiros. Essa informação foi passada para a tropa que decidiu se certificar antes de falar com o juiz .Seguiu parte da tropa com o informante afim de apontar o local do engenho Maria Teles em diligencia para entrevistar ou prender a amasia de João Mulungu. Já era tarde quando avistou o engenho e ali o informante resolveu a voltar indicando as características de Conceição apontando na direção de uma depressão do engenho, local em que ela se encontrava com os outros escravos .

Conceição, uma negra de pele clara, filha de negra com português, tinha pouca mais de 25 anos, era escrava do engenho e mesmo com a sua pele clara e contornos bem definido não gozava das regalias que lhes ofereciam, sempre mostrou a sua revolta pela sua situação e dos seus companheiros, mulher guerreira de dita fama pelo seu lado masculinizado no manejo das armas, facoa, bacarmate, alem de ser uma exímia amazona ,cavalgando em qualquer montaria em pêlo com desvelo e bravura investindo contra qualquer um, razão pelo temor com que é conhecida.

Ficou famosa pela luta atribuída a ela de ter travado luta com três escravos e o capataz do engenho que queriam violenta-la e na luta, mostrando toda sua garra e destreza conseguiu se desvencilhar degolando dois escravos e ferindo gravemente o capataz. Três dias depois deste fato se homiziou nas matas do próprio engenho durante três meses sem que fosse capturada, construindo ali uma base do seu mocambo particular
.
O ato não fora considerado de rebeldia pelo senhor de engenho, por que alem de gostar dela nutria desprezo pelo capataz já acostumado com o ato de estrupar as negras do engenho e das vizinhanças, com seu grupo de assecla formados por seis escravos de engenho, e com a conivência da policia local.

Conceição durante o seu exílio conheceu diversos grupos de fugitivos que lhe informavam sobre os quilombos e seus lideres, convidando - a para participar da jornada e foi em uma dessas caminhadas que conheceu João Mulungu através de Manoel Jurema na mata da fazenda Flor da Roda. Participou de diversas jornadas com o grupo de João Mulungu, e de diversas lutas, sempre refugiando nas matas do engenho Maria Teles.

Após três meses resolveu se aproximar da área para confirmar o que lhe falavam os escravos do engenho em relação a sua situação. Comprovada a impunidade continuou as suas atividades com o firme propósito de fortalecer os aquilombados e preservar o espaço para a segurança de João Mulungu.

Estava de cabeça baixa massageando os pés quando se sentiu observada e levantando os olhos percebeu o grupo que se encaminhava em sua direção; levantou apressadamente, deu a volta indo em direção a senzala e sem responder as indagações que os escravos lhe fazia através do olhar, adentrou e retornou imediatamente segurando uma facoa na mão direita e na outra uma enxada. Enquanto os policiais se informavam a cerca do assunto Conceição seguia em frente arrastando a enxada e a facoa ambas agora na mão direita. Dois policiais se acercaram dela pedindo noticias de João Mulungu, ela lhe respondeu que não sabia do que eles estavam falando e que ali no engenho não conhecia ninguém com esse nome e se fosse novo que ele buscasse informação com a Sinhá ou com o capataz. Enquanto ela falava o restante da tropa se juntou ao grupo cercando Conceição, num circulo feito pelos cavalos agitados ela se sentindo ameaçada, rodou a enxada no ar, pegando a tropa desprevenida, assustando os cavalos que relinchando recuaram, derrubando um dos policiais e foi nesse momento que Conceição aproveitou para investir se apossando de uma montaria, com uma celeridade jamais vista pelos atordoados policiais e saiu em disparada, ziguezagueando para evitar as balas que os policiais não tardariam em disparar.

Zarpou em direção da mata do engenho, bramindo a facoa no ar, o ato foi presenciado por todos, vendo aquela perseguição no engenho ,sem saber o que ocorria, no meio da confusão, Conceição evadiu – se do engenho nas barbas da policia ,que não alcançando seu intento por não conhecer o terreno e pelo apanhado da hora, retornaram para dar ciência da sua diligencia fracassada ao juiz municipal.; e quando já se retiravam es que ouvem trotes e investem, prendendo a escrava Angélica que buscava se evadir acompanhada de um outro escravo que depois atribuiu ser João Mulungu . Foi capturada e levada para a delegacia ,estranhamente não ofereceu resistência e deixou se levar pela tropa, o que queria era reter os homens para não sair em perseguição a Mulungu. Na Delegacia, Angélica fora reconhecida também como amásia de Mulungu, enquanto isso Conceição a Negra forra, se mantinha a distância.

Conceição foi se juntar ao grupo de João Mulungu, naquela ocasião, estrategicamente dispersos, pelas diversas matas dos engenhos da região, fazendo crer ao grupo de repressão que estariam bem distantes da área dos seus engenhos. O Primeiro que encontrou foi o cigano que sempre lhe trazia noticias dos quilombolas e deixava recados para fazer negócios, se agradou do cavalo que Conceição montava e fez negocio com armas e mantimento, Conceição seguiu a pés mata a dentro, seguindo a sua intuição até chegar nas matas do engenho Flor da Roda descansando nos bananais até sentir a presença de alguém, se posicionou mudando de localização contra o vento e se atracou com o intruso e já com o punhal preste a sangrar , percebeu que era Galdino e nisso se refez, contou o ocorrido e logo foi ao encontro de João Mulungu que juntando os pertences seguiu com seus companheiros para outras bandas distante dali e no caminho ia juntando o grupo com destino ignorado.

Conceição passou muito pouco tempo com João Mulungu, pois tempo depois ele fora traído por um escravo do engenho e junto com seus dois inseparáveis companheiros, foram presos , processados e sentenciados a cumprirem pena nas galés. Conceição seguiu com outros quilombolas até o Mocambo na Vila de Porto da Folha indo depois para a Serra Negra onde incógnita, morreu de velhice, no cimo da Serra em noite cheia de estrelas e uma forte energia no ar, aromatizado de suol e cheiro de terra. Seu último pensamento foi para seu herói João Mulungu , sonho de atração na leveza da chegada. Pois a última noticia sua foi de que fora deportado para a Bahia onde se juntou aos insurretos e montando outro grupo, retornou a Capitania de Sergipe se fixando no sertão.

Conceição, a negra Guerreira de Mulungu, nunca deixou de ser mulher, nunca deixou de ser negra e por diversas vezes, rejeitou a vida mansa que lhes ofereciam, foi vendida diversas vezes e nunca teve senhor, o seu maior cabedal foi sua rebeldia e sua dignidade de ser negra, mesmo de pele clara, conheceu sua mãe mas nunca soube quem foi seu pai e se rebelava sempre, rejeitando as chamadas alforrias para manter a sua expectativa de sub-vida pois tinha consciência que não se ajustaria , não nasceu para ser escrava o que nunca foi, nasceu guerreira e isso seria até a morte, uma morte animada na luta, a Negra, Guerreira de Mulungu. Sua bravura segura a Serra Negras até hoje, aguardando a chegada do seu amado e inspira a proteção do espaço e de todos que lá se refugiam, conhecida também como Serra da Guia. Saravá Guerreira.

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