sábado, 31 de outubro de 2009

MOVIMENTO NEGRO E A REDEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL : A ATUAÇÃO DE SEVERO D'ACELINO NA EDUCAÇÃO SERGIPANA


MOVIMENTO NEGRO E A REDEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DE SEVERO D'ACELINO NA EDUCAÇÃO SERGIPANA.

Kleber Luiz Gavião Machado de Souza[1] (GPEH/NPGED/UFS)

Diogo Francisco Cruz Monteiro (GPEH/UFS)[2]

Kléber Rodrigues Santos (GPEH/UFS)

Resumo

A História Oral oferece a possibilidade de resgate de memórias e representações feitas pelos sujeitos no decorrer das diversas posições e trajetórias ocupadas em determinadas instituições, grupos e movimentos. O objetivo desta comunicação é apresentar a trajetória de Severo D’Acelino como fundador do movimento negro em Sergipe, Bahia e Alagoas, mostrando as dificuldades, preconceitos e limitações para a implantação e desenvolvimento dos mesmos na época da Ditadura Militar. Além disso, o texto também visa mostrar como no contexto da redemocratização, as atuações desse militante se voltaram para a elaboração de propostas para a inclusão da cultura negra sergipana nos currículos escolares e também para a publicação de alguns livros dedicados em levar a alunos e professores do Estado um conhecimento sobre a cultura afrobrasileira e africana. Portanto, o que se pretende com a efetivação deste estudo é lançar novos olhares sobre as formas como a militância de Severo D’Acelino no movimento negro contribuiu para o desenvolvimento de ações afirmativas no campo educacional, que se refletem na proposição de novas metodologias didáticas para o ensino de temas voltados à cultura afro-brasileira e africana para as escolas de níveis Fundamental e Médio em Sergipe.

Palavras-chave: movimento negro, redemocratização, Severo D'Acelino


Introdução

Este trabalho faz parte de uma série de entrevistas realizadas com autores de livros didáticos em Sergipe ligados ao projeto Memorial do livro didático. Trata-se de uma iniciativa, ainda em andamento, para a construção de um site que tem como proposta recuperar e registrar as experiências de vida, itinerários profissionais e relatos de agentes envolvidos com a produção e uso dos livros didáticos em Sergipe, além disso, catalogar os manuais didáticos de todas as épocas e disciplinas existentes nas bibliotecas e arquivos públicos e privados sergipanos.

Entre o período de agosto de 2008 e fevereiro de 2009 foram realizadas entrevistas com autores de livros didáticos de História de Sergipe. Aqui, pretendemos apresentar a trajetória de Severo D’Acelino como fundador do movimento negro em Sergipe, Bahia e Alagoas e sua atuação durante o período da Ditadura Militar.

Nesse artigo, entendemos movimento negro como a luta dos negros com o objetivo de resolver seus problemas na sociedade, principalmente, as questões relativas aos preconceitos e discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural. (PINTO, 1993)

Além disso, esperamos mostrar como no contexto da redemocratização, as ações desse militante se voltaram para a elaboração de propostas de inclusão da cultura negra sergipana nos currículos escolares, e como essas ações contribuíram para o desenvolvimento de ações afirmativas no campo educacional, refletidas na discussão de temas voltados à cultura afrobrasileira e africana nas escolas de nível Fundamental e Médio em Sergipe.

A entrevista foi realizada no dia 2 de fevereiro do ano de 2009 na sede da Casa de Cultura Afro Sergipana. Para tal, nos valemos dos procedimentos da História Oral. De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz, a História Oral “é o termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar. Ela registra a experiência de um indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade” (QUEIROZ, 1987, p. 5).

Do ponto de vista metodológico, entendemos a História Oral como “um método de pesquisa histórica, antropológica, sociológica, que privilegia a realização de entrevista com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI, 1990, p. 1-2).

Um conceito central neste estudo é o de memória como “um conjunto de documentos que acontecem estarem dentro da cabeça das pessoas e não no arquivo público” (FRETNESS & WICKMAN, 1992 apud SÁ, 2005, p. 45). A memória também se configurará enquanto “monumento que conserva e evoca a lembrança” (FREITAS, 2007, p.101).

É interessante ressaltar a relação documento/monumento apresentada por Michel Foucault. Segundo ele, a História tradicional memorizava os monumentos do passado transformando-os em documentos. A História tradicional “se dispunha a ‘memorizar’ os monumentos do passado, transformá-los em documentos e fazer falarem estes rastros que, por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do que dizem” (FOUCAULT, 1987, p. 8).

Assim, o relato oral é produto da memória e como monumento é produzido pelo conjunto de forças que operam sob atores sociais que disponibilizam suas experiências para que o pesquisador desfaça algumas ilusões sobre a pesquisa baseada nos relatos orais (QUEIROZ, 1987, p.5).

Em relação às operações metodológicas, os depoentes foram submetidos a um questionário no qual se abordaram aspectos da História Oral de vida e da História Oral temática. A junção entre os dois tipos de roteiros de entrevistas visa recuperar as diversas trajetórias em que um agente social se insere ao longo de sua vida. Assim, a intenção é recuperar as diversas trajetórias desse personagem, entendendo uma trajetória como “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 1998, p. 189).

O texto está dividido em duas partes. Na primeira parte, trataremos da atuação de Severo D´Acelino na formação do movimento Negro da Bahia, Sergipe e Alagoas e a perseguição a esses movimentos sociais no período da Ditadura Militar em Sergipe. Na segunda parte, traremos à tona a atuação do militante no campo da educação, mais precisamente no período da redemocratização do país por meio de sua produção didática de cartilhas voltadas para a divulgação da cultura afrobrasileira entre alunos e professores no ensino Básico e Médio no estado de Sergipe.

A militância antes da ditadura militar e nos primeiros anos do regime

A trajetória de militância de Severo D’Acelino pelos movimentos sociais sergipanos tem início antes mesmo da fundação do Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves (GRFACACA) em 1968.

Desde a infância, Severo D’Acelino já via alguns membros da sua família envolvidos diretamente e indiretamente com as lutas sociais ocorridas na década de 1940. Inclusive, sua própria casa, localizada na Rua Goiás, bairro Siqueira Campos, era um antigo núcleo do Partido Comunista em Aracaju: “Olha, na verdade, a militância foi dentro de casa, tá certo, que aqui nesse local que nós estamos, aqui foi desenvolvida uma (...) aqui foi uma célula, agora não sei se do Partido Comunista, sei que era uma célula dos perseguidos. Naquela época não tinha o PT, só tinha o Partido Comunista” (D’ACELINO, 2009, p.3).

D’Acelino acompanhou de perto o cenário de reinvidicações sociais no período entre 1945 e 1964. Além disso, sua própria irmã participava da JOC (Juventude Operaria Católica).

Mas foi assim, foi depois dos anos 30, porque eu sou de 47 (...) mas ainda peguei a “rebordosa” de Maynard e das perseguições a comunistas, a caça aos pais de santo, aos sindicalistas, minha irmã era da JOC, aquela que tá ali naquela foto, que é a responsável por todo o meu processo, a minha formação e quando houve aquela reviravolta, que foi reforçado em 64, quando Seixas Dória foi deposto e muitos sindicalistas foram perseguidos, o pessoal da JOC, de diversos movimentos aí foram perseguidos (...) [...]. (ibid, p.3)

A JOC é um movimento que nasceu na Bélgica em 1882 criado pelo padre Leon Joseph Cardjin. O objetivo da JOC era organizar uma ação de fundo cristão que fosse ao encontro dos jovens, que ao trocar o estudo pelo trabalho, acabavam se afastando da Igreja e das práticas religiosas. (MATTOS, 2009, 104)

No ambiente das fábricas, as idéias marxistas acabavam sendo mais atraentes que as pregações católicas, ainda mais se levarmos em conta o afastamento considerável entre a hierarquia eclesiástica e o operariado. Por tais circunstâncias, o padre Cardjin organizou um movimento religioso para reconquistar os jovens trabalhadores para o catolicismo. (MATTOS, 2008, 104)

A partir do relato de D’Acelino entendemos as progressivas perseguições aos movimentos sociais. Tais perseguições foram empreendidas desde 1945 e foram aumentando a partir do golpe de 1964.

O regime instalado no Brasil com o golpe de 1964 sentia-se ameaçado por qualquer forma de organização popular. Naquela época, movimentos como a JOC, por exemplo, transformaram-se radicalmente, passando a ser movimentos contestatórios, principalmente se levarmos em conta que, além de representativo dos operários, era também representativa da juventude, de uma juventude que, muito cedo, era lançada no mercado de trabalho. (MATTOS, 2009, 104)

Severo D’Acelino mostra em sua fala as perseguições sofridas por aqueles que participavam dos movimentos sociais na época da ditadura militar: “Então esse pessoal ficava (...) era mandado para diversos locais escondidos, muitos comunistas, muitos sindicalistas, quer dizer, o pessoal que não fosse do governo, o pessoal que não fosse a favor do sim (...) os contestadores, as lideranças que tinham o poder de formar opinião pública (...) eram perseguidos”. (D’ACELINO, 2009, p.4)

O clima de perseguição e de extrema vigilância atingia até mesmo os terreiros de candomblé. Os pais de santo agiam oferecendo abrigo ou esconderijo aos militantes. De acordo com D’Acelino: “... no terreiro de candomblé tem um local com nome de “ronco”, que é ali onde o pessoal que vai fazer iniciação fica recolhido, então muitos ficaram ali, ficavam ali, mesmo porque naquela época a polícia respeitava, chagavam no terreiro e invadiam, mas eles nunca entravam nesses locais sagrados”. (D’ACELINO, 2009, p.3)

Apesar da repressão empreendida pelos militares, D’Acelino descobre, mais intensamente, sua militância, na época em que fazia o curso preparatório de aprendizes da Marinha:

... porque eu só vim me descobrir militante quando eu estava na Marinha, porque a Marinha tem um histórico muito forte de revolução (risos). Inclusive, é a única Força Armada que as pessoas não gostam. Porque o poder só gosta do Exército e da Aeronáutica, a Marinha ninguém quer. Eles dizem que é a “importadora de revolução” (...) tanto que Anselmo é sergipano, o líder da revolução dos marinheiros... (ibid, p.4)

Parece algo muito contraditório: em plena ditadura militar, numa época marcada pela repressão aos movimentos sociais, um marinheiro acaba descobrindo sua vocação para a militância dentro da própria Corporação.

Talvez só seja possível entender este tipo de situação, lembrando que, no século XX, a rebeldia e a insatisfação popular chegaram à Marinha sob a forma de levantes que contestavam a hierarquia existente nas Forças Armadas e o panorama político do país. Tanto a Revolta da Chibata em 1910 quanto a Revolta da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) em 1964 foram dois movimentos de subalternos, sem a participação de oficiais ou políticos, em contextos de crise de extrema complexidade na História do Brasil republicano. (MEDINA, 2009, p.1-2)

Através do relato de Severo D’Acelino compreendemos que mesmo com a ditadura, muitos militares se juntaram às fileiras dos movimentos sociais. Alguns participaram de ações totalmente contrárias ao regime implantado, já outros, lutaram pela melhoria das condições de vida da população:

E observe o seguinte, em qualquer canto do Brasil onde tem gente de Marinha existe a articulação social. Eu não diria político-partidária, mas social tem. Aqui em Sergipe, meu primo mesmo, que depois eu lutei assim que ele morreu, lutei para que a rua em que ele morava tivesse o nome dele lá no Bugio. Então você chega no Bugio você vai encontrar uma rua Cabo Nivaldo Gomes da Silva que fica ali atrás daquele colégio Francisco Rosa e aquela pracinha, aquele largo que tem ali. O “Francisco Rosa” e o Largo João Mulungu. Então a gente já circulava muito. Nivaldo atendia todo mundo ali no Bugio. Ele era enfermeiro. E tem muita associação de moradores aqui em Sergipe fundada e presidida por gente de Marinha. (D’ACELINO, 2009, p.4)

Depois de se formar no curso preparatório da Marinha, D’Acelino deu início a sua atuação no movimento negro de Sergipe (1968) e da Bahia (1973). Mas seu “batismo de fogo”, no que se refere às lutas sociais, ocorreu mesmo em Santa Catarina:

... a parte política aconteceu em Santa Catarina, lá no Morro do Mocotó. Porque foi lá no Morro do Mocotó, onde eu senti na pele a baioneta daqueles policiais da brigada militar de lá de Santa Catarina. Botava a gente pra correr, prendia, só que a gente nunca foi preso, nem nunca perdeu a glória, e daí, então, todo aquele envolvimento do Rio, de São Paulo, essa coisa toda do Sul do país, e a gente foi começando a politização e lá eu desenvolvi trabalhos (...) com (...) em participação (...) com outros grupos, fazer trabalhos de comunidade. (ibid, p.4)

No ano de 1968, D’Acelino se torna precursor do movimento negro em Sergipe, ao criar o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves (GRFACACA) em Sergipe.

Para os movimentos negros, o golpe militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária. Ele desarticulou uma coalizão de forças que resultava no enfrentamento do “preconceito de cor” no país. (DOMINGUES, 2009, p.111)

Como conseqüência, os movimentos negros brasileiros entraram em refluxo. Seus militantes eram estigmatizados e acusados pelos militares de criar um problema que supostamente não existia, o racismo no Brasil.

Assim como os militares, as elites viam as acusações feitas pelos movimentos negros como uma afronta ao caráter nacional. Daí seus ativistas eram apontados como “impatrióticos”, “racistas” e “imitadores” dos negros que lutavam pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Assim como outros movimentos negros espalhados pelo país, o GRFACACA passou pelo mesmo processo de discriminação e acusação em Sergipe:

Porque desde 68 quando a gente fundou isso aqui a gente começava a dar palestra nas escolas. Então a gente era chamado de... Ai meu Deus (...), toda hora estou esquecendo esse nome. Subversivo, comunista, traficante, maconheiro, fazedor de caso, uma série de coisas. Quando a gente chegava no local aí: “Já chegaram os comunistas.” (D’ACELINO, 2009, p.6)

A grande repressão vigente na primeira década da ditadura militar não impediu a existência de várias formas de resistência, mas impôs importantes mudanças no modo de estruturação e de condução das lutas. O GRFACACA de Severo D’Acelino encontrou como solução as atividades teatrais para discutir a questão do racismo e da valorização da cultura afrobrasileira.


A militância no recrudescimento do regime autoritário e após a redemocratização
Desde os primeiros anos da Ditadura Militar no Brasil foi instalada uma complexa máquina de repressão política, envolvendo diversos organismos militares e policiais que atuavam em âmbito federal, estadual e municipal. A violência do Estado ditatorial espalhava um clima de medo e insegurança, reprimindo, principalmente, setores da esquerda organizada, operários, estudantes e intelectuais.

As atividades intelectuais e artísticas foram alvos da censura do regime. Várias peças de teatro, filmes, músicas e livros foram proibidos. Muitos autores, artistas e professores forma vítimas das perseguições, prisões e processos. (HABERT, 1992, p. 30).

O final dos anos 1970 foi marcado pelo recrudescimento do regime militar. Após muitos anos de silêncio, surgiram diversos movimentos em defesa das liberdades democráticas - fim dos governos militares, do AI-5, da censura, das cassações, das torturas, anistia, eleições livres e convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte – as ações sindical, popular, dos estudantes, dos artistas, das mulheres, dos homossexuais e dos negros (HABERT, 1992, p. 72).

Os acontecimentos nacionais interferiam na vida política local. Na década de 1980, com a abertura política do regime autoritário, ocorreram várias manifestações em Sergipe contra a inflação, o desemprego e os baixos salários, lideradas pelo sindicato dos professores (SINTESE), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), movimentos dos Sem Terra, Sem Teto e Negro, este último representado, por exemplo, pela Casa de Cultura Afro-Sergipana, fundada pelo militante Severo D’Acelino.

Neste contexto de democratização, o militante Severo D’Acelino desenvolveu vários trabalhos relacionados à formação de identidades, ao combate dos estereótipos nas representações dos afro-descendentes, propondo uma pedagogia educacional inclusiva para o conhecimento dos conteúdos específicos da cultura negra no Estado de Sergipe. Nessa época, ele também funda o Movimento Negro em Alagoas (1980).

Com a abertura democrática no Brasil, num contexto político e cultural mais suscetível a questionamentos, os intelectuais afrobrasileiros intensificaram as iniciativas voltadas à valorização das tradições negras nas discussões sobre cultura, expressões artísticas, comunicação e formação de identidades (SILVA, 2008, p. 4).

Neste sentido, Severo D’Acelino, junto à Casa de Cultura, desempenhou importante papel no processo de construção da “Nova República” no Brasil, participando do Congresso do Negro e da Constituinte nacional e local em 1988. Em artigos escritos para jornais, defendia a causa dos afrodescendentes, denunciando abusos, como o racismo.

No plano educacional, Severo coordenava projetos que tinham como objetivo realizar palestras em escolas públicas. Sua intenção era conscientizar professores e alunos sobre a importância da inserção dos afro-descendentes na sociedade sergipana, através do exercício da cidadania plena.

Em suas conferências, abordava uma infinidade de temas. A proposta era difundir conhecimentos sobre a História dos negros, a longa trajetória de opressão e de injustiças sofridas, justificando a necessidade urgente da efetivação de ações inclusivas.

Desta forma, nas salas de aula das escolas sergipanas, Severo “costumava falar sobre o ‘boom’ do Apartheid, Mandela, do racismo (...), a questão da cultura negra, a exclusão do negro na sociedade sergipana e (...) na Educação.” (D’ACELINO, 2009, p. 7).

Severo D’Acelino foi um intelectual pioneiro na luta pela introdução de conteúdos da cultura negra nos currículos escolares do ensino básico em Sergipe. Devido à ausência de livros didáticos que tratassem de temas desta natureza, ele propôs a didatização do conhecimento sobre o negro sergipano.

Foram elaborados vários trabalhos, muitos dos quais não foram publicados, devido à falta de apoio do governo e às questões políticas não resolvidas. A maioria destes textos, só chegava ao conhecimento dos professores e alunos por meio da divulgação realizada pela editora da Casa de Cultura Afro Sergipana (“Memoriafro”) e por Severo em eventos culturais.

As “cartilhas” de Severo, frutos da sua intensa atividade intelectual, apresentavam a influência das obras de destacados pesquisadores sergipanos, como a antropóloga Beatriz Góes Dantas e os historiadores Maria Tethis Nunes e José Calazans.

Os livros escolares deste intelectual afro-sergipano eram baseados numa proposta pedagógica de educação inclusiva. Nesta perspectiva, o processo de ensino-aprendizagem garantiria a reversão de estereótipos e o resgate da excluída ancestralidade africana para a memória coletiva.

Apesar da inovação pedagógica da educação inclusiva, os livros escolares de Severo seguiam a tendência tradicional do “método dos testes”, utilizado desde o século XVIII para avaliar aptidões e que foi sendo aprimorado como instrumento de avaliação pela pedagogia (SANTOS, 2006, p. 5).

Não obstante, o “método de testes” estimulasse a aprendizagem dos conteúdos por meio da memorização, o que poderia tornar o estudo de disciplinas como a História um empreendimento cansativo, Severo criou estratégias para que seus manuais suscitassem nos alunos uma postura ativa em relação aos conhecimentos que lhes eram transmitidos.

... normalmente, o livro teste (...) tradicional (...) tem um gabarito, (...) e nós não colocamos o gabarito exatamente para impedir que o professor e o aluno pegassem o gabarito e preenchessem o livro (...) a intenção é fazer com que o professor e o aluno comecem a ler e a estudar a questão do negro e pensar. (...) O professor tem que construir junto com o aluno uma forma de diálogo para que aquele tema seja ampliado. (D’ACELINO, 2009, p. 11-12).

Os textos escolares da Casa de Cultura Afro-Sergipana sintetizavam abordagens que zelavam pelo entendimento das contribuições das três “raças” (branco, negro e índio) para a constituição da sociedade brasileira, evitando-se a ênfase sobre o legado europeu.

Os manuais de Severo eram dedicados a um público abrangente, que contemplava alunos e professores de diferentes disciplinas e níveis de ensino. O que se pretendia era popularizar os conhecimentos sobre a cultura negra no Brasil e em Sergipe.

Severo D’Acelino era a favor da regionalização do livro didático. Ele destacava constantemente a importância da criação de editoras locais para a área escolar e a necessidade de serem elaborados textos que se vinculassem ao cotidiano dos alunos sergipanos.

Ele denunciava que a maioria dos manuais utilizados no Estado era elaborada

“... pelos autores do Sul do país (...). De repente, você tava lá em Carira (...) aí ta lá no livro: ‘morango’ (...) as frutas do Sul do país, é ‘neve’ (...). Desestimula o aprendizado. Ele tem é que fazer um trabalho falando (...) de ‘Mãe Carira’, (...) de quando Lampião chegou por lá, é falando de coisas de lá de Carira...”. (D’ACELINO, 2009, p. 22).

Portanto, percebemos como a atuação de Severo D’Acelino no Movimento Negro sergipano contribuiu para o desenvolvimento de ações afirmativas no campo educacional e o pioneirismo na discussão sobre a cultura afro nas escolas através da produção de cartilhas voltadas para o tema. Suas ações se evidenciam nas propostas de inclusão dos conteúdos e nas novas metodologias para o ensino de temas relacionados à cultura afrobrasileira e africana nas escolas de níveis Fundamental e Médio em Sergipe. Entender as atividades de Severo D´Acelino em Sergipe é adentrar na História, na memória dos movimentos sociais do Estado e na perseguição sofrida por eles nos anos de chumbo da Ditadura Militar.



Referências Bibliográficas

ALBERTI, V. História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.

BOURDIEU, P. A Ilusão Biográfica. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Morais (orgs.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas (FGV), 1998.

D’ACELINO, S. Entrevista concedida a Diogo Francisco Cruz Monteiro, Kleber Luiz Machado Gavião de Souza e Kléber Rodrigues Santos. Aracaju, 2 fev. 2009.

DANTAS, I. História de Sergipe: República (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

DOMINGUES, P. Movimento Negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: Possibilidades e Procedimentos. São
Paulo: Humanitas/Imprensa Oficial SP, 2002.

HABERT, N. A década de 70. Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1992.

MATTOS, R.C.O. A Juventude Operária Católica – visão de uma utopia. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2009.

MEDINA, J. I. Um olhar comparativo entre as revoltas da Chibata e da AMFNB de 1964. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

PINTO, R. P. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. São Paulo, 1993. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos Orais: do “Indizível” ao “Dizível”. In: Revista Ciência e Cultura, v. 39, nº 3, mar. 1987, CERU/Departamento de Ciências Sociais.

SÁ, Fernando. Combates entre História e memórias. São Cristóvão: Editora UFS, 2005.

SANTOS, K. R. Cultura afrobrasileira e africana no livro didático de História do Brasil e História de Sergipe: possibilidades de transposição didática. 2006. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

SILVA, R. F. Severo D’Acelino e a produção textual afro-brasileira. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2008.

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[1] Mestrando no Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe na linha História, Sociedade e pensamento educacional. Membro do Grupo de pesquisas em ensino de História (GPEH).

[2] Graduados em Historia pela Universidade Federal de Sergipe e membros do Grupo de Pesquisas em Ensino de História (GPEH/UFS).