sexta-feira, 23 de outubro de 2009
DEU NO ' CORREIO DE SERGIPE' - RACISMO
Apesar de ser crime, racismo persiste
Data: 27/02/2005
Há cerca de um mês uma jovem professora foi impedida de entrar no Teatro Tobias Barreto. O motivo? Ela é negra. Apesar de ter ido ao local como qualquer outra pessoa, pagando ingresso e tendo, portanto, o direito de assistir ao que bem quisesse, ela foi barrada. Fez denúncia, levou o caso até o conhecimento de movimentos representativos da comunidade negra, e não teve receio de relatar que foi tida como marginal. Racismo é crime contra a humanidade de caráter inafiançável.
Quem explica a situação é o coordenador geral da Casa de Cultura Afro-Sergipana, Severo D'Acelino, pesquisador da história e cultura negra. Ele milita no movimento negro desde a década de 60 e lamenta que apesar dos esforços empreendidos ao longo dos anos, a discriminação racial continua forte no país e Sergipe não fica atrás. A grande expectativa de Severo é que com a Conferência Estadual de Igualdade Racial, que acontece em Sergipe nos dias 8 e 9 de abril, promova ações mais concretas que impeçam o avanço do racismo no estado.
Severo observa que se faz urgente a afirmação de políticas públicas em relação ao negro, principalmente no que se refere à saúde e educação. Ele lembra da necessidade de se mudar comportamentos e atitudes, para que o negro possa ser respeitado e valorizado em todos os níveis, tendo seus direitos constitucionais legítimos assegurados na declaração dos direitos humanos. No âmbito da educação, o negro precisa, como observa Severo, de motivação e ainda de auto-estima para construção de sua identidade através de uma metodologia inclusiva onde a educação e aprendizagem possam de fato, dar a ele dignidade.
"O negro não nasceu para ser infeliz, e nem para fugir de sua própria raça, como solução para se manter na sociedade", observa o pesquisador. Ele atenta que o pardo e o mulato não se consideram negros e que Sergipe tem 86% da sua população um contingente da raça negra. Severo observa ainda que desde 1968, pesquisa essa questão. Negro, ele é de família oriunda dos canaviais do Cotinguiba tem em Gilberto Freire uma grande referência. Apesar de todo o esforço, uma lamentação: relata que a casa de cultura afro está praticamente de portas fechadas, por não ter como manter as atividades, sem recursos financeiros.
Ações - Mesmo com tantas dificuldades, Severo explica que Sergipe possui diversas ações afirmativas que foram alcançadas durante todos os anos de militância dos movimentos negros. A Casa de Cultura se destaca com o projeto João Mulungu Vai a Escola, levando conhecimento e informação do negro, e índio sergipano dentro de um processo étnico, histórico e cultural aprovado pelo Colegiado de Educação da Universidade Federal de Sergipe - UFS e reconhecido pelo Ministério da Educação.
A Casa de Cultura possui ainda ação de cunho legislativo com o reconhecimento do herói negro sergipano e a introdução de cultura negra na educação e em concursos públicos do estado. Existem ainda diversos projetos como o SOS Racismo no âmbito da comunidade e principalmente no seio da polícia, atingindo a Polícia Militar e Civil. "Hoje, há um entendimento bem melhor por parte da polícia em relação aos negros. Ainda não é o ideal. Existem casos graves de crimes contra o negro por parte da polícia, mas o passado é pior", explica Severo.
Ele lembra que o negro simplesmente por estar andando nas ruas, correndo ou nada fazendo, era visto como elemento nocivo à sociedade e apanhava publicamente por qualquer motivo. Hoje existe um entendimento maior e a PM vem buscando uma parceria com as entidades negras. Um outro trabalho é o Curso de Extensão mantido pela Casa de Cultura através do Centro de Pedagogia Afro-Sergipana, com o direito de promover a capacitação de professores nos assuntos de educação e aprendizagem na ação inclusive dos temas afros e indígenas.
Os cursos são de 40horas realizados em finais de semana e acontecem na sede da Casa de Cultura no bairro Siqueira Campos atendendo a universitários e professores. Dentre os temas debatidos, fica, como diz Severo, o problema da fuga empreendida pelo negro, de sua própria raça, para sobreviver. "É nesse sentido que esperamos ver as ações resultantes da Conferência Estadual, promover mudanças estruturais para que a igualdade racial seja o sinônimo da unidade e diversidade", observa o pesquisador.
Direitos e apoio - Severo D'Acelino atenta que por muitas vezes, o negro se sente constrangido e teme denunciar o racismo. Com isso, sofre calado, tem problemas cardíacos, estresse, palpitações e depressões profundas. Ele observa que há medo de denunciar para não perder o emprego. Outras vezes promove a denúncia, mas o racismo é qualificado como difamação e a pena para o infrator é atenuada. Ele conta que a Casa de Cultura recebe diariamente mais de 10 telefonemas por denúncia de racismo, mas, no momento, de testemunhar as pessoas temem se pronunciar.
A maioria não quer ir à delegacia, se sente inibida, por muitas vezes ser alvo de brincadeiras maldosas como piadas. Diante de tudo isso, Severo observa que seria importante uma delegacia específica para o atendimento dos negros e tratamento dos casos de racismo. "Isso deixaria as pessoas menos constrangidas e seguras de seus direitos, para que cheguem à Justiça sem sofrer nenhuma discriminação", ressalta. Sobre a Justiça, ele atenta que essa ainda não age com austeridade contra o crime de racismo.
Observa que poucas vezes, o racismo é configurado como deveria, o pesquisador lembra que o crime passa a ter muitas faces, muitos rótulos e quando se chega a um processo, por vezes, já se trata de outra acusação. "Precisamos lembrar o passado, de personalidades negras de Sergipe. Entre elas, estão: Tobias Barreto, Silvio Romero e João Mulungu. Eles não podem ser esquecidos", observa Severo deixando no ar a pergunta: se estivessem vivos também seriam discriminados?
Parceria - Ainda em relação a Conferência Estadual de Igualdade Racial, o secretário de Estado da Justiça e Cidadania, Emanuel Cacho esteve na manhã do último dia 23 na cidade de Estância participando ao lado do prefeito daquela cidade, Ivan Leite e de representantes de prefeitos de cidades circunvizinhas, da primeira de uma série de reuniões com prefeitos de Sergipe, no objetivo de conseguir apoio para a conferência que acontece pela primeira vez em Sergipe.
No dia 24, representantes da Sejuc estiveram em Nossa Senhora da Glória realizando a segunda reunião. Ele lembra que é de suma importância conseguir não só o apoio, mas subsídios dos prefeitos e assessores para a realização da conferência em Sergipe.
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