segunda-feira, 29 de setembro de 2008

CAIÇARA


Caiçara
CONTO by Severo D’Acelino/2008.

Desviei meu Rio, para o subterrâneo da Chapada, longe do Mar. O Vale na Serra, Ilha de pedras vivas, natureza que morreu na queimada da Savana.

O Sol desponta como uma bola de fogo, esturricando a terra, sangrando o Vale, marcando como Queloide, todo manancial do Rio assoreado. O vento não sustenta o meu respirar que queima meu coração a deriva no Sol.

A claridade impedia a minha visão e o silencio mim deixou surdo. Sensação de desconforto aterrorizava meus movimentos e gelava minhas emoções. O eco de minha voz soava no meu consciente e a cabeça era como um sino sobre o ataque de aríetes de puro ferro. Vagueei sonambulante sem sair do lugar. Estava caído sobre o tronco que atravessava o Rio secado do Mar.

Corri os olhos e deparei com um vulto, era o que procurava, tinha certeza que havia alguém ali naquele banco de areia. Era um corpo, só de pensar, fiquei gelado e meu corpo ficou paralisado, sem atender o comando de minha mente que ora queria ir ao encontro do vulto, para ver de quem se tratava, ora queria sair correndo e esquecer do que vira e procurar em outro lugar.

Aos pouco fui tomando coragem e os movimentos se tornaram livre e fui nadando até o local. Era o corpo de Marujo que balançava aos fluxos das ondas calmas que batiam no seu corpo encalhado.

Diante do corpo de Marujo comecei a buscar respostas para o problema que mim intrigava: na noite anterior ele discutia com a mulher que reclamava de suas idas e vindas na chalana com a tal fulaninha, e sempre chegava sem nenhum peixe e que ela ia dar um basta naquela situação. Ele negou e chamou para ela ir com ele. Não sei mais o que aconteceu, pois comecei a beber e sair com Gaivota, riscar o cerrado com gente nova que se bandeou para aquelas bandas.

Não chamei por socorro porque já havia percebido o corpo sem vida e pelas aparências ele não morreu afogado, primeiro porque era o maior nadador da região e segundo porque não tinha ninguém que mergulhasse como ele e resistisse mais de dez minutos dentro d’água,, submerso. Alguma coisa aconteceu. Busquei adivinhar onde estava a chalana que o desenfeliz usava, pois certamente estaria cheia de provas das minhas suspeitas.

O sopro do vento anunciava uma mudança e logo mim apressei a resgatar o corpo para a praia e depois mim ocupar com a chalana. O corpo ainda não havia adquirido a rigidez cadavérica, de modo que pude acomodar nas folhagens dos arbustos para providenciar sua remoção para o povoado.

Sair pensando na Caiçara, tinha vontade de dar uma pisa de cipó caboclo naquela égua safada. Ela aprontou para Marujo e não sei o que foi, mas vou descobrir. Fui buscar ajuda para transportar o corpo e avisar da tragédia. No caminho encontrei com Angustura e Gaivota que mim fez voltar para com eles levar o corpo. Quando lá chegamos avistamos de longe a chalana que a deriva, seguia os ventos, mandei que eles levassem o corpo e sair correndo pela praia em direção da chalana, pois tinha certeza que ela ia bater nos mangues.

As rezadeiras receberam e prepararam o corpo de Marujo que depois de vestido com o Terno de panamá branco, que sempre mantinha para ser usado no seu funeral, foi colocado em cima de uma mesa tosca que foi improvisada para a ocasião. Mandaram chamar Maria de Zefa, a Caiçara, como era conhecida, mandou informar que estava de paquete e que não iria aos funerais, a sentinela poderia ser feita que ela só iria depois fazer uma visita na cova dele.

“Na sua ira, sempre blasfemava e dizia que um dia ti mato seu peste
Perguntei uma vez, como ela conseguia manter o Marujo
agarrado nas barras de sua saia
E porque ele não iria embora. Ela respondia que era reza forte. Se ele não mim quer
Não fica pra ninguém. Um dia eu mim canso “e chupo a alma dele.”

Todas as mulheres do pequeno povoado estavam ali e todas tinham uma história com o Marujo. Ele era muito tido e todos gostavam dele, de velhos as crianças.

Conseguir recolher a chalana e arrastei para o matagal com o auxilio de um porrete, dentro, como eu previa, estavam pertences de Zefa e isso fez com que eu reafirmasse minhas suspeitas. Marujo foi pro mar com Zefa, a Caiçara deu cabo dele, mas como eu não sei. Peguei o que pertencia a ela e levei para lhe mostrar, assim que ela mim avistou, bateu a janela do barraco e se fechou em copas.

- Caiçara!!! Marujo morreu ou foi matado ? Tem aqui um recado dele. Joguei os picuás dela no fundo do barraco e fui para a casa das rezadeiras olhar o defunto que parecia estar rindo e aí eu pensai que ele não deu o que Caiçara queria. Sorrir tristemente e acenei para ele e fui vagar pelos lugares que gostávamos de ir.

Só a Velha Lú sabia do poder do sortilégio de Caiçara
Algumas vezes a encontrara a olhar o vazio hipnotizada
Pela fresta de porta entreaberta. Dizia a Velha Lu que ela estava
Despachando o peso que já não agüentava, dos náufragos que ela velava.

Já anoitecia e o céu ficava escuro, o sol ainda estava ali, como que esperando a Lua para dar um abraço. Entrei no barracão e mim refugiei no canto onde ficava com Marujo e ali comecei a conversar com ele. Sentia sua presença e a casa cheia onde todos falavam ao mesmo tempo e os copos sempre em movimento. Mulheres e crianças se revezando. Esse era o ritual de todas as noites ali no barracão, onde se ouvia o soim do violão, da sanfona e das risadas. Respirei

Maria Zefa entrou no barracão mascando fumo. ( acho que os restos utilizados da reza forte que fez para matar Marujo.) cara de pouco amigo, num relance olhou para mim por baixo dos olhos, virou a cara e torceu os beiços, deu uma cusparada de desprezo e saiu arrastando os pés. Fiz que não vi ou percebi nada, peguei o candeeiro que estava fumaçando , ajeitei o paviu e subir em cima da bancada, botei o candeeiro na cumieira e desci para baixo pelo mastro central.

O trazia o cheiro forte do incenso que queimava na casa das rezadeiras onde a sentinela se dava e os amigos velavam e bebiam o defunto. Fiquei com o estombago embrulhado só de pensar na cara e no desprezo que levei. Estava com o corpo todo tremendo, a cusparada bateu em cheio nos meus brios e atingiu minha cara envergonhada, me sentir sujo.

Numa forte contração abrir a boca e vomitei como um desesperado até a última gota de fel, ali sentado num canto me contorcendo dei um grito surdo que congelou a minha alma, um grito silencioso, para aplacar a minha ira, meu ódio contido, minha vontade de esganar a vagabunda, pelo desaforo e constrangimento que estava sentindo

Respirei fundo, peguei um litro de cachaça que estava no pé da bancada e ali mesmo em meio aos vômitos, esvaziei o litro bebendo pelo gargalo e ouvindo o galo cantar anunciando os primeiros raios de sol

Amanhecera e eu ali, ao longe chegava nitidamente o som das cantilenas do funeral, era a sentinela que se findava e muitos ali estavam a beber o defunto e logo mais o cortejo começaria, atravessando a ponte para o campo santo na colina das almas, com o defunto dentro de uma rede.

Cheguei à porta deparei com um clarão alucinante, era a Lua cor de Sol, que se sentava no prado nesta noite sem estrelas e abria suas portas para receber toda gente do povoado que se dirigia enfileirada. Sentir uma euforia e não sabia se iria gritar ou se corria para algum lugar para mim esconder. A multidão se dirigindo para o clarão, entrando lua a dentro era demais para mim.

Alucinado gritei por Caiçara e corrir de porta adentro e fui enxotado de porta a fora e arrastado pela multidão

Minha visão da Lua foi um surto psicótico, o resto era pura realidade, fui tangido do barraco pela Caiçara que até as janelas fechou para não ver o cadáver do amásio passar. Para ela eu fui o culpado de tudo, até porque sabe que eu encontrei a chalana com as sandálias, raízes, fumo e as coisas dela, se confirmaram as minhas suspeitas e sei que ela sabe que eu sei que ela causou a morte dele.

Foi raiva, vingança pelos ciúmes por ter pensado que Marujo fosse pescar com a outra e mesmo sem gostar de mar, se jogou na chalana para pescar, só que não foi peixe. Foi a energia, a alma do Marujo que deve ter endoidecido e fraco, não soube se defender e depois de morto foi jogado no mar enquanto ela se evadira, se envultara e abandonava a chalana que ficou a deriva mas não foi longe, certamente ficou enganchada em alguma coisa e só depois se soltou.

Ouvia-se ao longe o som da ladainha, que ecoava por toda área trazida pelos ventos, era o cortejo que se dirigia ao Campo Santo e eu estendido em sua rota ali no chão e o corpo de Marujo estendido dentro de uma rede, levado pelos bêbados que disputavam o talão, como era chamado ali o pau que sustentava a rede do defunto, afastado pelas beatas condoídas pelo meu estado de embriagues e estupor fui colocado numa bancada para não cair, mas resistir cambaleante acompanhei o cortejo recordando a visão da Lua.

- Coitado, bebeu demais o finado e ficou delirando. É o que dar nestes beberrões, se aproveitam de tudo para beber, até da morte para se matar de cachaça.

Amanhecera o Sol já era quente e o funeral já chegava ao Campo Santo onde mestre Bedeu já preparava a cova para receber Marujo, só que em vez de uma ele cavou duas, perguntado por que duas, respondeu que não podia falar, era coisa dos outros,, não iria plantar uma Palmeira que não existia nem fazer estradas para se perder. Esta foi a sua resposta.


Sair do mar pra não lembrar você e o vento me traz o que eu quero esquecer.
Entre os soluços do meu choro eu tento explicar contemplando as estrelas de minha solidão, a emoção aperta meu peito esmagando meu orgulho para você voltar
Ouço o que não quero ouvir, mas vem de mim a solidão
Vagando nos meus pensamentos a sua imagem, desço e vou buscar
Mas não consigo abraçar e perco o que nunca tive: Esperança
Vem Marujo, vem navegar nos meus sonhos
Mares distantes da maré alta para ninguém vêem
Vem vamos pescar estrelas do mar
Aqui perto, vem , vamos construir nosso ninho de amor.

Uma toada lânguida, distante, fina e cheia de tristeza na noite fria sem estrelas e sem luar. Não acreditei em nada que escutei, só na metade do que vi, mas Caiçara chorou. Ouvir seus lamentos noite adentro vindo das entranhas da terra. Estava na cova, se hibernando não sei. Só sei que por muitos dias, Caiçara sumiu e quando voltou, trouxe com ela um rapagão de nome Marujo, só que não gostava de Mar, era um pescador de raízes e folhas sua chalana era uma roça e seus remos a enxada e foice e seus amores os olhos de Caiçara, agora mais rejuvenescida e lânguida. A Sereia do roçado de costas pro litoral.

Conta-se que ela se recolhe numa cova e se cobre de terra
passa uma semana. Internada – diz-se para conversar
com os mortos, numa viagem de revisitação
em busca de respostas ou para fugir.
Depois deste tempo, volta mais velha ou mais moça
conforme a situação e ou o resultado.
Para guardar a sepultura a terra se fecha
e muda de lugar. É que se alguém ferir a, ela morre.

Desviei meu Rio, para o subterrâneo da Chapada, longe do Mar. O Vale na Serra, Ilha de pedras vivas, natureza que morreu na queimada da Savana.
Desviei meu Rio. Para o subterrâneo do Mar.










sexta-feira, 19 de setembro de 2008

DESABAFO - O RACISMO DA MÍDIA


Ana Maria Braga,

Você tem plena consciência do poder de influenciar pessoas por meio do seu programa, que até não é ruim.

Não o assisto quando posso. Sintonizo outra emissora. Mas vejo a chamada do seu novo quadro e fico a pensar até onde vai a cabeça das pessoas da sua produção.

Sou negro. E esta é a razão deste meu e-mail, que se vincula a um problema protagonizado pela aristocracia midiática da qual você faz parte.

Passo ao assunto: Desde todo tempo o ofício de cozinhar sempre foi reduzido a coisa sem importãncia, pela mídia, por ser o espaço de labor principalmente das mulheres negras. Mais tarde os homens, também normalmente negros, foram ocupando o espaço. Hoje Em Dia os chefes e/ou gourmet ocupam os vídeos das emissoras e a minha negrada foi desaparecendo, talvez no conceito midiático, "por não fotografarem bem" neste País que, ironicametne, chamo de ariano.

Mas você que se diz tão sensível e igual, não se deu ao luxo ou trabalho preocupado de, no novo quadro a ser lançado em seu programa chamado os Super Chef, incluir se quer um(a) chef negro(a). Não sei se não existe um grande chef negro ou negra ou a proposta do programa é deixar caracterizado que os super - de qualquer arte e ofício - têm que ter necessáriamente a pele clara. É lamentável que a televisão, que tanto reclama programas sociais públicos, que promovem tantos programas assistencialistas - alguns até com o dinheiro do pobre cidadão -, não esteja antenada para a importância da miscigenação midiática e promova a exclusão na mídia na medida em que podem. Fica aqui o meu repúdio que, certamente, não será considerado por eu ser apenas e tão somente um beija-flor no incêndio. Mas estou fazendo a minha parte! Chamar a sua atenção, é o que me cabe, além de advertir a todos quanto eu possa (por e-mail) sobre esta questão e deixando claro que, na minha opinião, isso também é uma forma de violência igualzinha àquelas que vocês "tanto debatem" em seus programas. Que pena!!!

Não obstante isso, continuo desejando-lhe saúde e muita sorte, pois a luta que empreendo não elimina minha fraternidade para com o próximo!

Joel de Oliveira

Brasília/DF

terça-feira, 9 de setembro de 2008

QUESTÃO DE PRINCIPIOS - OPIINIÃO E ATITUDES.


QUESTÃO DE PRINCIPIO.

Severo D’Acelino



Independente de minha idade (já passei dos 60). Antiguidade para mim é posto, autoridade e símbolo de respeito. Assim fui criado e treinado para respeitar as pessoas, hierarquias, funções e títulos com disciplina, mas, sem submissão.

O nosso respeito vai além da idade, ele se afigura também, no saber, na titulação hierárquica. Pois independente da idade, há os aspectos funcionais, as representações e todo um processo que nos ensina as relações e comportamentos.
É importante que um adolescente com cargo, titulo ou função, seja respeitado e tratado com os devidos cumprimentos que a sua posição requer. Trato assim, independente de ter sido, meu subalterno, tenha idade dos meus filhos.

Esse nosso jeito de ser, muita das vezes é confundido com subalternidade submissa, ledo engano. Diante de insultos a autoridade comigo dança, e dança direitinho, na forma da Lei, com todos os respeitos devido ao cargo, posição etc. Gosto muito da expressão de Antonio Rebouças “... Para que ninguém tenha seus Direitos Violados. É necessário que o Poder detenha o próprio Poder”

Um lugar para cada coisa. Cada coisa em seu lugar – é o dito popular e o certo. A Cezar o que é de Cezar, e nisso resume a nossa ação e determina meu comportamento, minha atitude antes os acontecimentos e os enfrentamentos do dia-a-dia.
Gosto do respeito e para tal, respeito e nisso a disciplina não pode ser simplesmente atribuída a militarismo.

A organização mais severa que conheço é a Igreja, no entanto a visibilidade se faz antes os militares, mais é na sociedade civil, que o servilismo é mais perverso na medida em que não nos dar oportunidade exercer a nossa cidadania no exercício do contraditório, pois os estereótipos são instrumentos que nos engessam e cristalizam os estigmas do preconceito, onde a nossa verdade está condicionada a nossa apresentação, a cor da nossa pele e a tantas outras tipificações.

Se na caserna, podemos representar contra o General, o Almirante e, porque não podemos representar contra o Delegado, o Juiz, o Governador. Não podemos e nem devemos ter medo de nossas Autoridades, nossos Gestores, nossos Comandantes. Neste sentido é também importante que nossas autoridades, não se utilizem do Medo, para nos controlar, destruir e violar os nossos direitos.

Triste daqueles que se utilizam do poder, dos que usam o poder como muleta, como ponte, como instrumento de suas autoridades autoritárias com os Abusos sistemáticos de Poder e Autoridade. São simplesmente covardes, inseguros e ídolos de bronzes com pés de barro bastam um temporal para desabar. Nesta minha trajetória já vi diversos e inúmeros desabamentos. Eles eram pequenos e insignificantes, não sabiam disso, suas forças eram emanadas do poder e eles não souberam interpretar que: A importância de Ser, não é Ter, mas saber que È. E eles não eram só tinham e ficaram sem ter.

Kô Si Obá. Kan Afi Olorum

O desenvolvimento e prática dos tipos de discriminações se apóiam no âmbito da suposta ‘autoridade’, na falsa superioridade de uma mente doentia e vazia. Dizem que Freud explica. Mas explicar o que? A insegurança é mãe do autoritarismo, da burrice e consola os despreparados psicologicamente com uma suposta aquisição de poder, baseado no dinheiro, na suposta intelectualidade gerada pelo exercício de poder, onde os méritos estão nos privilégios dos cargos públicos, usurpados dos qualificados, que lhes dão um falso status, uma notoriedade que se dilui quando perde o espaço no poder.

Uma notoriedade que não se sustenta sozinha, precisa de uma base sólida, representada pelos que se deixam violar, para estar respirando o poder e ou poder manipular os cordéis, pois sacralizar o diabo é tarefa difícil e impossível. Uma hora ele se empolga e começa a dar seus vôos rasantes e aí se desmonta.

As relações baseadas no poder, na autoridade, não se sustentam, são relações brindadas no medo, na repressão, no autoritarismo, assim que o grupo fica livre, do algoz, não há lembranças, só ressentimentos e alívios.