sábado, 31 de outubro de 2009

MOVIMENTO NEGRO E A REDEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL : A ATUAÇÃO DE SEVERO D'ACELINO NA EDUCAÇÃO SERGIPANA


MOVIMENTO NEGRO E A REDEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DE SEVERO D'ACELINO NA EDUCAÇÃO SERGIPANA.

Kleber Luiz Gavião Machado de Souza[1] (GPEH/NPGED/UFS)

Diogo Francisco Cruz Monteiro (GPEH/UFS)[2]

Kléber Rodrigues Santos (GPEH/UFS)

Resumo

A História Oral oferece a possibilidade de resgate de memórias e representações feitas pelos sujeitos no decorrer das diversas posições e trajetórias ocupadas em determinadas instituições, grupos e movimentos. O objetivo desta comunicação é apresentar a trajetória de Severo D’Acelino como fundador do movimento negro em Sergipe, Bahia e Alagoas, mostrando as dificuldades, preconceitos e limitações para a implantação e desenvolvimento dos mesmos na época da Ditadura Militar. Além disso, o texto também visa mostrar como no contexto da redemocratização, as atuações desse militante se voltaram para a elaboração de propostas para a inclusão da cultura negra sergipana nos currículos escolares e também para a publicação de alguns livros dedicados em levar a alunos e professores do Estado um conhecimento sobre a cultura afrobrasileira e africana. Portanto, o que se pretende com a efetivação deste estudo é lançar novos olhares sobre as formas como a militância de Severo D’Acelino no movimento negro contribuiu para o desenvolvimento de ações afirmativas no campo educacional, que se refletem na proposição de novas metodologias didáticas para o ensino de temas voltados à cultura afro-brasileira e africana para as escolas de níveis Fundamental e Médio em Sergipe.

Palavras-chave: movimento negro, redemocratização, Severo D'Acelino


Introdução

Este trabalho faz parte de uma série de entrevistas realizadas com autores de livros didáticos em Sergipe ligados ao projeto Memorial do livro didático. Trata-se de uma iniciativa, ainda em andamento, para a construção de um site que tem como proposta recuperar e registrar as experiências de vida, itinerários profissionais e relatos de agentes envolvidos com a produção e uso dos livros didáticos em Sergipe, além disso, catalogar os manuais didáticos de todas as épocas e disciplinas existentes nas bibliotecas e arquivos públicos e privados sergipanos.

Entre o período de agosto de 2008 e fevereiro de 2009 foram realizadas entrevistas com autores de livros didáticos de História de Sergipe. Aqui, pretendemos apresentar a trajetória de Severo D’Acelino como fundador do movimento negro em Sergipe, Bahia e Alagoas e sua atuação durante o período da Ditadura Militar.

Nesse artigo, entendemos movimento negro como a luta dos negros com o objetivo de resolver seus problemas na sociedade, principalmente, as questões relativas aos preconceitos e discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural. (PINTO, 1993)

Além disso, esperamos mostrar como no contexto da redemocratização, as ações desse militante se voltaram para a elaboração de propostas de inclusão da cultura negra sergipana nos currículos escolares, e como essas ações contribuíram para o desenvolvimento de ações afirmativas no campo educacional, refletidas na discussão de temas voltados à cultura afrobrasileira e africana nas escolas de nível Fundamental e Médio em Sergipe.

A entrevista foi realizada no dia 2 de fevereiro do ano de 2009 na sede da Casa de Cultura Afro Sergipana. Para tal, nos valemos dos procedimentos da História Oral. De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz, a História Oral “é o termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar. Ela registra a experiência de um indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade” (QUEIROZ, 1987, p. 5).

Do ponto de vista metodológico, entendemos a História Oral como “um método de pesquisa histórica, antropológica, sociológica, que privilegia a realização de entrevista com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI, 1990, p. 1-2).

Um conceito central neste estudo é o de memória como “um conjunto de documentos que acontecem estarem dentro da cabeça das pessoas e não no arquivo público” (FRETNESS & WICKMAN, 1992 apud SÁ, 2005, p. 45). A memória também se configurará enquanto “monumento que conserva e evoca a lembrança” (FREITAS, 2007, p.101).

É interessante ressaltar a relação documento/monumento apresentada por Michel Foucault. Segundo ele, a História tradicional memorizava os monumentos do passado transformando-os em documentos. A História tradicional “se dispunha a ‘memorizar’ os monumentos do passado, transformá-los em documentos e fazer falarem estes rastros que, por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do que dizem” (FOUCAULT, 1987, p. 8).

Assim, o relato oral é produto da memória e como monumento é produzido pelo conjunto de forças que operam sob atores sociais que disponibilizam suas experiências para que o pesquisador desfaça algumas ilusões sobre a pesquisa baseada nos relatos orais (QUEIROZ, 1987, p.5).

Em relação às operações metodológicas, os depoentes foram submetidos a um questionário no qual se abordaram aspectos da História Oral de vida e da História Oral temática. A junção entre os dois tipos de roteiros de entrevistas visa recuperar as diversas trajetórias em que um agente social se insere ao longo de sua vida. Assim, a intenção é recuperar as diversas trajetórias desse personagem, entendendo uma trajetória como “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 1998, p. 189).

O texto está dividido em duas partes. Na primeira parte, trataremos da atuação de Severo D´Acelino na formação do movimento Negro da Bahia, Sergipe e Alagoas e a perseguição a esses movimentos sociais no período da Ditadura Militar em Sergipe. Na segunda parte, traremos à tona a atuação do militante no campo da educação, mais precisamente no período da redemocratização do país por meio de sua produção didática de cartilhas voltadas para a divulgação da cultura afrobrasileira entre alunos e professores no ensino Básico e Médio no estado de Sergipe.

A militância antes da ditadura militar e nos primeiros anos do regime

A trajetória de militância de Severo D’Acelino pelos movimentos sociais sergipanos tem início antes mesmo da fundação do Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves (GRFACACA) em 1968.

Desde a infância, Severo D’Acelino já via alguns membros da sua família envolvidos diretamente e indiretamente com as lutas sociais ocorridas na década de 1940. Inclusive, sua própria casa, localizada na Rua Goiás, bairro Siqueira Campos, era um antigo núcleo do Partido Comunista em Aracaju: “Olha, na verdade, a militância foi dentro de casa, tá certo, que aqui nesse local que nós estamos, aqui foi desenvolvida uma (...) aqui foi uma célula, agora não sei se do Partido Comunista, sei que era uma célula dos perseguidos. Naquela época não tinha o PT, só tinha o Partido Comunista” (D’ACELINO, 2009, p.3).

D’Acelino acompanhou de perto o cenário de reinvidicações sociais no período entre 1945 e 1964. Além disso, sua própria irmã participava da JOC (Juventude Operaria Católica).

Mas foi assim, foi depois dos anos 30, porque eu sou de 47 (...) mas ainda peguei a “rebordosa” de Maynard e das perseguições a comunistas, a caça aos pais de santo, aos sindicalistas, minha irmã era da JOC, aquela que tá ali naquela foto, que é a responsável por todo o meu processo, a minha formação e quando houve aquela reviravolta, que foi reforçado em 64, quando Seixas Dória foi deposto e muitos sindicalistas foram perseguidos, o pessoal da JOC, de diversos movimentos aí foram perseguidos (...) [...]. (ibid, p.3)

A JOC é um movimento que nasceu na Bélgica em 1882 criado pelo padre Leon Joseph Cardjin. O objetivo da JOC era organizar uma ação de fundo cristão que fosse ao encontro dos jovens, que ao trocar o estudo pelo trabalho, acabavam se afastando da Igreja e das práticas religiosas. (MATTOS, 2009, 104)

No ambiente das fábricas, as idéias marxistas acabavam sendo mais atraentes que as pregações católicas, ainda mais se levarmos em conta o afastamento considerável entre a hierarquia eclesiástica e o operariado. Por tais circunstâncias, o padre Cardjin organizou um movimento religioso para reconquistar os jovens trabalhadores para o catolicismo. (MATTOS, 2008, 104)

A partir do relato de D’Acelino entendemos as progressivas perseguições aos movimentos sociais. Tais perseguições foram empreendidas desde 1945 e foram aumentando a partir do golpe de 1964.

O regime instalado no Brasil com o golpe de 1964 sentia-se ameaçado por qualquer forma de organização popular. Naquela época, movimentos como a JOC, por exemplo, transformaram-se radicalmente, passando a ser movimentos contestatórios, principalmente se levarmos em conta que, além de representativo dos operários, era também representativa da juventude, de uma juventude que, muito cedo, era lançada no mercado de trabalho. (MATTOS, 2009, 104)

Severo D’Acelino mostra em sua fala as perseguições sofridas por aqueles que participavam dos movimentos sociais na época da ditadura militar: “Então esse pessoal ficava (...) era mandado para diversos locais escondidos, muitos comunistas, muitos sindicalistas, quer dizer, o pessoal que não fosse do governo, o pessoal que não fosse a favor do sim (...) os contestadores, as lideranças que tinham o poder de formar opinião pública (...) eram perseguidos”. (D’ACELINO, 2009, p.4)

O clima de perseguição e de extrema vigilância atingia até mesmo os terreiros de candomblé. Os pais de santo agiam oferecendo abrigo ou esconderijo aos militantes. De acordo com D’Acelino: “... no terreiro de candomblé tem um local com nome de “ronco”, que é ali onde o pessoal que vai fazer iniciação fica recolhido, então muitos ficaram ali, ficavam ali, mesmo porque naquela época a polícia respeitava, chagavam no terreiro e invadiam, mas eles nunca entravam nesses locais sagrados”. (D’ACELINO, 2009, p.3)

Apesar da repressão empreendida pelos militares, D’Acelino descobre, mais intensamente, sua militância, na época em que fazia o curso preparatório de aprendizes da Marinha:

... porque eu só vim me descobrir militante quando eu estava na Marinha, porque a Marinha tem um histórico muito forte de revolução (risos). Inclusive, é a única Força Armada que as pessoas não gostam. Porque o poder só gosta do Exército e da Aeronáutica, a Marinha ninguém quer. Eles dizem que é a “importadora de revolução” (...) tanto que Anselmo é sergipano, o líder da revolução dos marinheiros... (ibid, p.4)

Parece algo muito contraditório: em plena ditadura militar, numa época marcada pela repressão aos movimentos sociais, um marinheiro acaba descobrindo sua vocação para a militância dentro da própria Corporação.

Talvez só seja possível entender este tipo de situação, lembrando que, no século XX, a rebeldia e a insatisfação popular chegaram à Marinha sob a forma de levantes que contestavam a hierarquia existente nas Forças Armadas e o panorama político do país. Tanto a Revolta da Chibata em 1910 quanto a Revolta da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) em 1964 foram dois movimentos de subalternos, sem a participação de oficiais ou políticos, em contextos de crise de extrema complexidade na História do Brasil republicano. (MEDINA, 2009, p.1-2)

Através do relato de Severo D’Acelino compreendemos que mesmo com a ditadura, muitos militares se juntaram às fileiras dos movimentos sociais. Alguns participaram de ações totalmente contrárias ao regime implantado, já outros, lutaram pela melhoria das condições de vida da população:

E observe o seguinte, em qualquer canto do Brasil onde tem gente de Marinha existe a articulação social. Eu não diria político-partidária, mas social tem. Aqui em Sergipe, meu primo mesmo, que depois eu lutei assim que ele morreu, lutei para que a rua em que ele morava tivesse o nome dele lá no Bugio. Então você chega no Bugio você vai encontrar uma rua Cabo Nivaldo Gomes da Silva que fica ali atrás daquele colégio Francisco Rosa e aquela pracinha, aquele largo que tem ali. O “Francisco Rosa” e o Largo João Mulungu. Então a gente já circulava muito. Nivaldo atendia todo mundo ali no Bugio. Ele era enfermeiro. E tem muita associação de moradores aqui em Sergipe fundada e presidida por gente de Marinha. (D’ACELINO, 2009, p.4)

Depois de se formar no curso preparatório da Marinha, D’Acelino deu início a sua atuação no movimento negro de Sergipe (1968) e da Bahia (1973). Mas seu “batismo de fogo”, no que se refere às lutas sociais, ocorreu mesmo em Santa Catarina:

... a parte política aconteceu em Santa Catarina, lá no Morro do Mocotó. Porque foi lá no Morro do Mocotó, onde eu senti na pele a baioneta daqueles policiais da brigada militar de lá de Santa Catarina. Botava a gente pra correr, prendia, só que a gente nunca foi preso, nem nunca perdeu a glória, e daí, então, todo aquele envolvimento do Rio, de São Paulo, essa coisa toda do Sul do país, e a gente foi começando a politização e lá eu desenvolvi trabalhos (...) com (...) em participação (...) com outros grupos, fazer trabalhos de comunidade. (ibid, p.4)

No ano de 1968, D’Acelino se torna precursor do movimento negro em Sergipe, ao criar o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves (GRFACACA) em Sergipe.

Para os movimentos negros, o golpe militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária. Ele desarticulou uma coalizão de forças que resultava no enfrentamento do “preconceito de cor” no país. (DOMINGUES, 2009, p.111)

Como conseqüência, os movimentos negros brasileiros entraram em refluxo. Seus militantes eram estigmatizados e acusados pelos militares de criar um problema que supostamente não existia, o racismo no Brasil.

Assim como os militares, as elites viam as acusações feitas pelos movimentos negros como uma afronta ao caráter nacional. Daí seus ativistas eram apontados como “impatrióticos”, “racistas” e “imitadores” dos negros que lutavam pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Assim como outros movimentos negros espalhados pelo país, o GRFACACA passou pelo mesmo processo de discriminação e acusação em Sergipe:

Porque desde 68 quando a gente fundou isso aqui a gente começava a dar palestra nas escolas. Então a gente era chamado de... Ai meu Deus (...), toda hora estou esquecendo esse nome. Subversivo, comunista, traficante, maconheiro, fazedor de caso, uma série de coisas. Quando a gente chegava no local aí: “Já chegaram os comunistas.” (D’ACELINO, 2009, p.6)

A grande repressão vigente na primeira década da ditadura militar não impediu a existência de várias formas de resistência, mas impôs importantes mudanças no modo de estruturação e de condução das lutas. O GRFACACA de Severo D’Acelino encontrou como solução as atividades teatrais para discutir a questão do racismo e da valorização da cultura afrobrasileira.


A militância no recrudescimento do regime autoritário e após a redemocratização
Desde os primeiros anos da Ditadura Militar no Brasil foi instalada uma complexa máquina de repressão política, envolvendo diversos organismos militares e policiais que atuavam em âmbito federal, estadual e municipal. A violência do Estado ditatorial espalhava um clima de medo e insegurança, reprimindo, principalmente, setores da esquerda organizada, operários, estudantes e intelectuais.

As atividades intelectuais e artísticas foram alvos da censura do regime. Várias peças de teatro, filmes, músicas e livros foram proibidos. Muitos autores, artistas e professores forma vítimas das perseguições, prisões e processos. (HABERT, 1992, p. 30).

O final dos anos 1970 foi marcado pelo recrudescimento do regime militar. Após muitos anos de silêncio, surgiram diversos movimentos em defesa das liberdades democráticas - fim dos governos militares, do AI-5, da censura, das cassações, das torturas, anistia, eleições livres e convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte – as ações sindical, popular, dos estudantes, dos artistas, das mulheres, dos homossexuais e dos negros (HABERT, 1992, p. 72).

Os acontecimentos nacionais interferiam na vida política local. Na década de 1980, com a abertura política do regime autoritário, ocorreram várias manifestações em Sergipe contra a inflação, o desemprego e os baixos salários, lideradas pelo sindicato dos professores (SINTESE), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), movimentos dos Sem Terra, Sem Teto e Negro, este último representado, por exemplo, pela Casa de Cultura Afro-Sergipana, fundada pelo militante Severo D’Acelino.

Neste contexto de democratização, o militante Severo D’Acelino desenvolveu vários trabalhos relacionados à formação de identidades, ao combate dos estereótipos nas representações dos afro-descendentes, propondo uma pedagogia educacional inclusiva para o conhecimento dos conteúdos específicos da cultura negra no Estado de Sergipe. Nessa época, ele também funda o Movimento Negro em Alagoas (1980).

Com a abertura democrática no Brasil, num contexto político e cultural mais suscetível a questionamentos, os intelectuais afrobrasileiros intensificaram as iniciativas voltadas à valorização das tradições negras nas discussões sobre cultura, expressões artísticas, comunicação e formação de identidades (SILVA, 2008, p. 4).

Neste sentido, Severo D’Acelino, junto à Casa de Cultura, desempenhou importante papel no processo de construção da “Nova República” no Brasil, participando do Congresso do Negro e da Constituinte nacional e local em 1988. Em artigos escritos para jornais, defendia a causa dos afrodescendentes, denunciando abusos, como o racismo.

No plano educacional, Severo coordenava projetos que tinham como objetivo realizar palestras em escolas públicas. Sua intenção era conscientizar professores e alunos sobre a importância da inserção dos afro-descendentes na sociedade sergipana, através do exercício da cidadania plena.

Em suas conferências, abordava uma infinidade de temas. A proposta era difundir conhecimentos sobre a História dos negros, a longa trajetória de opressão e de injustiças sofridas, justificando a necessidade urgente da efetivação de ações inclusivas.

Desta forma, nas salas de aula das escolas sergipanas, Severo “costumava falar sobre o ‘boom’ do Apartheid, Mandela, do racismo (...), a questão da cultura negra, a exclusão do negro na sociedade sergipana e (...) na Educação.” (D’ACELINO, 2009, p. 7).

Severo D’Acelino foi um intelectual pioneiro na luta pela introdução de conteúdos da cultura negra nos currículos escolares do ensino básico em Sergipe. Devido à ausência de livros didáticos que tratassem de temas desta natureza, ele propôs a didatização do conhecimento sobre o negro sergipano.

Foram elaborados vários trabalhos, muitos dos quais não foram publicados, devido à falta de apoio do governo e às questões políticas não resolvidas. A maioria destes textos, só chegava ao conhecimento dos professores e alunos por meio da divulgação realizada pela editora da Casa de Cultura Afro Sergipana (“Memoriafro”) e por Severo em eventos culturais.

As “cartilhas” de Severo, frutos da sua intensa atividade intelectual, apresentavam a influência das obras de destacados pesquisadores sergipanos, como a antropóloga Beatriz Góes Dantas e os historiadores Maria Tethis Nunes e José Calazans.

Os livros escolares deste intelectual afro-sergipano eram baseados numa proposta pedagógica de educação inclusiva. Nesta perspectiva, o processo de ensino-aprendizagem garantiria a reversão de estereótipos e o resgate da excluída ancestralidade africana para a memória coletiva.

Apesar da inovação pedagógica da educação inclusiva, os livros escolares de Severo seguiam a tendência tradicional do “método dos testes”, utilizado desde o século XVIII para avaliar aptidões e que foi sendo aprimorado como instrumento de avaliação pela pedagogia (SANTOS, 2006, p. 5).

Não obstante, o “método de testes” estimulasse a aprendizagem dos conteúdos por meio da memorização, o que poderia tornar o estudo de disciplinas como a História um empreendimento cansativo, Severo criou estratégias para que seus manuais suscitassem nos alunos uma postura ativa em relação aos conhecimentos que lhes eram transmitidos.

... normalmente, o livro teste (...) tradicional (...) tem um gabarito, (...) e nós não colocamos o gabarito exatamente para impedir que o professor e o aluno pegassem o gabarito e preenchessem o livro (...) a intenção é fazer com que o professor e o aluno comecem a ler e a estudar a questão do negro e pensar. (...) O professor tem que construir junto com o aluno uma forma de diálogo para que aquele tema seja ampliado. (D’ACELINO, 2009, p. 11-12).

Os textos escolares da Casa de Cultura Afro-Sergipana sintetizavam abordagens que zelavam pelo entendimento das contribuições das três “raças” (branco, negro e índio) para a constituição da sociedade brasileira, evitando-se a ênfase sobre o legado europeu.

Os manuais de Severo eram dedicados a um público abrangente, que contemplava alunos e professores de diferentes disciplinas e níveis de ensino. O que se pretendia era popularizar os conhecimentos sobre a cultura negra no Brasil e em Sergipe.

Severo D’Acelino era a favor da regionalização do livro didático. Ele destacava constantemente a importância da criação de editoras locais para a área escolar e a necessidade de serem elaborados textos que se vinculassem ao cotidiano dos alunos sergipanos.

Ele denunciava que a maioria dos manuais utilizados no Estado era elaborada

“... pelos autores do Sul do país (...). De repente, você tava lá em Carira (...) aí ta lá no livro: ‘morango’ (...) as frutas do Sul do país, é ‘neve’ (...). Desestimula o aprendizado. Ele tem é que fazer um trabalho falando (...) de ‘Mãe Carira’, (...) de quando Lampião chegou por lá, é falando de coisas de lá de Carira...”. (D’ACELINO, 2009, p. 22).

Portanto, percebemos como a atuação de Severo D’Acelino no Movimento Negro sergipano contribuiu para o desenvolvimento de ações afirmativas no campo educacional e o pioneirismo na discussão sobre a cultura afro nas escolas através da produção de cartilhas voltadas para o tema. Suas ações se evidenciam nas propostas de inclusão dos conteúdos e nas novas metodologias para o ensino de temas relacionados à cultura afrobrasileira e africana nas escolas de níveis Fundamental e Médio em Sergipe. Entender as atividades de Severo D´Acelino em Sergipe é adentrar na História, na memória dos movimentos sociais do Estado e na perseguição sofrida por eles nos anos de chumbo da Ditadura Militar.



Referências Bibliográficas

ALBERTI, V. História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.

BOURDIEU, P. A Ilusão Biográfica. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Morais (orgs.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas (FGV), 1998.

D’ACELINO, S. Entrevista concedida a Diogo Francisco Cruz Monteiro, Kleber Luiz Machado Gavião de Souza e Kléber Rodrigues Santos. Aracaju, 2 fev. 2009.

DANTAS, I. História de Sergipe: República (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

DOMINGUES, P. Movimento Negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: Possibilidades e Procedimentos. São
Paulo: Humanitas/Imprensa Oficial SP, 2002.

HABERT, N. A década de 70. Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1992.

MATTOS, R.C.O. A Juventude Operária Católica – visão de uma utopia. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2009.

MEDINA, J. I. Um olhar comparativo entre as revoltas da Chibata e da AMFNB de 1964. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

PINTO, R. P. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. São Paulo, 1993. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos Orais: do “Indizível” ao “Dizível”. In: Revista Ciência e Cultura, v. 39, nº 3, mar. 1987, CERU/Departamento de Ciências Sociais.

SÁ, Fernando. Combates entre História e memórias. São Cristóvão: Editora UFS, 2005.

SANTOS, K. R. Cultura afrobrasileira e africana no livro didático de História do Brasil e História de Sergipe: possibilidades de transposição didática. 2006. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

SILVA, R. F. Severo D’Acelino e a produção textual afro-brasileira. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2008.

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[1] Mestrando no Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe na linha História, Sociedade e pensamento educacional. Membro do Grupo de pesquisas em ensino de História (GPEH).

[2] Graduados em Historia pela Universidade Federal de Sergipe e membros do Grupo de Pesquisas em Ensino de História (GPEH/UFS).

sábado, 24 de outubro de 2009

SEVERO D'ACELINO : AÇÕES LEMBRADAS EM ENCONTRO NORDESTINO DE HISTORIA ORAL POR ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE.






Uma comunicação surge como homenagem e como reflexão, a minha pessoa, quando as confusões se cristalizam em cima de mim, desde a sagração do Imperador Marcelo Deda a governo de Sergipe e a nossa exclusão ( Severo D'Acelino e Casa de Cultura Afro Sergipana), das ações do Estado e do governo. Foi o premio pelos méritos do mais importante projeto de educação na história deste Estado. Um projeto bem sucedido, iniciado na administração de Luiz Antonio Barreto e bombardeado sistematicamente pelas figuras incompetentes do DED, da Secretaria de Educação, insatisfeitas pelo sucesso das ações.

Com a sagração do Imperador DEDA ao governo do Estado e a consequente Partidarização do Movimento Negro, Severo foi descartado, pois representava perigo por ser critico, independente e pensar o Coletivo e, daí, surgiram dezenas de Ongs e Entidades que se apresentaram como capacitadas e experientes para promover o projeto da Casa de Cultura e capacitar professores para cumprir o Decreto Presidencial de Inclusão da Cultura Negra e o PROJETO CULTURAL DE EDUCAÇÃO 'JOÃO MULUNGU VAI ÁS ESCOLAS, foi defenestrado, excluido e jogado de LADEIRA A BAIXO.

É triste receber esse tipo de recompensa, principalmente quando temos prestado grandes serviços ao Estado na defesa do Coletivo Negro, na preservação de sua cultura e no respeito a diversidade e seu Arquivo Humano, mas da Traição nem Jesus se livrou, pois a Inveja é péssima companheira e quando somos comandados por pessoa que perseguem seus críticos. Pessoas que gostam de adularodes e até premiam os que lhes elogiam e os brindam, o mérito deixa de ter expressão.

O Movimento Negro e a redemocratização no Brasil: a Atuação de Severo D'Acelino na Educação Sergipana, soa como um aplauso ás nossas ações e um indicador do mérito que teima em se manter, apesar das KOTAS e do Paternalismo exarcerbado da relação do PT com respeito a nós os negros, cristalizando o Racismo Institucional e a falta de Potencialidade do Negro, em vez de Radicalizar a Constituição para que " todos possamos na prática ter as mesmas condições e oportunidades", numa promoção de Ações Afirmativas e Meritórias, somos tratados como imbecis e jogados uns contra os outros por míseras cestas de alimentos.

Minha familia é negra e todos nós, em passagem pelas Faculdades, não precisamos de KOTAS, passamos por méritos, Eu, minha esposa, meus filhos, meus sobrinhos, primos e por ai vai. Somos negros conscientes, com potencial e sem nenhum QI. Nunca fomos Indicados por ninguem e nosso reconhecimento é uma icógnita, há sempre alguem que se apropria de nossos projetos, idéias etc. Esse povo no espaço de poder nuinca nos conhece, apesar de antes termos tido diversas ações e combatido os pervertidos do poder, hoje somos invisiveis para eles, até que precisem dos nossos serviços.

Como é triste e perversa a insegurança dos nossos "amigos" para se manterem nos espaços de poder!!! O Mandarinato do Imperador se mantem sobre nossos escombros, mas, por mais que nos sufoquem,jamais silenciaram ou apagaram´as nossas importâncias, pois, um deslize e alguem nos cita, nos referenda, nos homenageiam, assinalando a nossa presença viva no desenvolvimento de Ações Afirmativas, fazendo a diferença, nos aplaudindo apesar a repressão colonialista do Imperador e seus refens, será que quando findar o mandato alguem irá aguarda-lo na rodoviária?

Agradeço a presença que se fez presente, pois ja não tenho motivações para produzir e continuar o que comecei em plena ditadura militar no enfrentamento da repressão anunciada, ja não sei da minha tragetória, na Religião, Artes Plásticas, Teatro,Cinema,Etnografia, Musica, Partidos Politicos, Coorporação Militar, Literatura ,Dramaturgia,Rádio, Jornal, Televisão,Seminários, Congressos, Lutas Sociais, Viagens, Cultura, Direitos Humanos,Relações Raciais, Esportes, Escolas...Educação.

Essa citação se nos apresenta muito forte, apesar de desde muito, ser referencia de estudos( nunca OBJETO), onde nossas ações são analisadas em determinados contextos, dentro e fora do Estado e do País, mas nunca nesta situação de fragilidade e de exclusão onde a depressão é minha companheira. Neste momento a homenagem pegou pesado, no ponto fraco, enfraquecido: Movimento Negro e a Redemocratização no Brasil: a Atuação de Severo D'Acelino na Educação de Sergipe.
Abença Thetis Nunes, farol de vivo de minhas indagações. Luiz Antonio Barreto, provocador de minhas incursões e resistencias, apenas para citar referencias internas
da memória viva desta minha caminhada semn assinalar o contingente que tem nos dado sustentação nesta tragetória há mais de 42 anos.

Este trabalho é sem dúvida, o presente deste aniversário, do 3 e do 16 de Outubro, negado pela mídia sergipana que nos nega espaços, para não perder espaços na camarinha do Imperador.
Estudantes! Obrigado. Certamente vocês serão excelentes EDUCADORES.
AJAGUM ABERÉ N'GOBOM. KUTENDA ZAMBIAPONGO. AUÉ AXÉ.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

ENTREVISTA. materia recuperada


Entrevista com presidente da Casa de Cultura Afro-Sergipana, Severo D’Acelino

21/03/2005, 13:26





Na semana em que se comemora o Dia Internacional de Combate ao Racismo, o presidente da Casa de Cultura Afro-Sergipana, Severo D’Acelino fala sobre o Projeto João Mulungu vai à Escola, que desde 1999 visita os municípios do Estado, contando a história do negro em Sergipe. Além da pesquisa que antecede as visitas e já rendeu a organização de cadernos sobre o tema, o projeto conta com uma pedagogia interativa que pretende debater com a comunidade a partir do contato cotidiano com o racismo. “Eu sempre começo a aula perguntando quem é negro. Às vezes eles ficam se olhando sem falar nada, para mim isso já é uma resposta”, explica ao enfatizar que um dos principais problemas enfrentados pelo movimento é que a maior parte da população negra não se reconhece ou não quer ser reconhecida como tal.





Por Iracema Corso



M.C. - Quem foi João Mulungu?

S. D. - João Mulungu foi uma criança, pode-se dizer, como uma dessas ‘crianças de rua’, que fugiu do engenho porque apanhava e que depois se tornou o maior líder dos quilombos daqui de Sergipe. Ele andou por todas essas vilas do Estado. Em 1876, ele foi denunciado e preso no engenho da Flor da Rosa em Laranjeiras, que hoje em dia é o terreno que divide Laranjeiras e Riachuelo e ele foi propriedade de João Pinheiro da Fraga que é parente dos Franco. (...) Quando ele fugiu, sendo perseguido pela polícia e foi lá para Porto da Folha, no Mocambo (primeiro quilombo a ser reconhecido aqui em Sergipe), ele foi traído por Severino. João Mulungu não foi enforcado, foi condenado a cinco anos de galé (trabalhava como escravo em repartições públicas) e certamente foi mandado para a Bahia para cumprir a pena. Mas não foi depois da prisão de João Mulungu que o quilombo parou, muito pelo contrário, os levantes só aumentaram. Mesmo depois de 1888, com a Lei Áurea já em voga, ainda existiam muitos quilombos porque a comunicação era muito difícil e uma notícia demorava muito a chegar. A história tem muitas lacunas e a gente sabe que existem outras versões.



M.C.- Como foi a receptividade dos estudantes com o projeto ‘João Mulungu vai à Escola’?

S. D.- Ele teve uma receptividade imediata, instantânea, natural, porque ele traz uma nova filosofia dentro da pedagogia e ações inclusivas que buscam resgatar os valores do negro, associado aos valores dos índios porque são dois grupos discriminados no Brasil e, principalmente, em Sergipe. O nosso estado tem pouca ou nenhuma referência do índio e _ como a nossa educação ainda traz muito do recalque, é muito retrógrada e não admite a mudança dos valores impostos pela Casa Grande, pela estrutura organizacional, colonialista_ nossos professores não são treinados para a inovação. Então, é um trabalho muito difícil e necessário. Apesar de Sergipe ter como maior referência nacional os pensadores sergipanos, aqui não se sabe quase nada sobre eles. Os projetos de ação afirmativa que se esboçam aqui em Sergipe são apresentados em outros estados. Um projeto de educação cultural visa exatamente resgatar a cidadania, a identidade do negro Sergipano. No caso, a Casa de Cultura, que já vem dando palestras em escolas há 25 anos.



M.C. – Como o projeto foi elaborado?

S.D. – Já dávamos palestras nas escolas, mas a formalização aconteceu na escola católica Patrocínio do São José. A irmã Helena, que na época era a diretora da escola, sugeriu que fosse estruturado um projeto para ser apresentado ao Estado. Na gestão do governador Albano Franco, o projeto passou a receber o apoio do Estado e a prestar serviço para escolas da rede pública estadual. Nós também tivemos que começar a produzir informações, buscar bibliografia, documentos e em junho começamos a produzir os cadernos pedagógicos no intuito de resgatar o processo étnico-histórico e cultural dos municípios. Nós já visitamos o Estado inteiro, produzimos cadernos contando a história de 26 municípios e estamos esperando que haja uma solução de continuidade para retomarmos o trabalho iniciado no governo passado.



Sergipe foi o primeiro Estado no país que instituiu a introdução da cultura negra na grade curricular, exigindo concurso público, curso de formação, isso tudo em 1999. Agora, com a chegada do governador João Alves, nós fizemos a primeira etapa e a segunda etapa de junho à agosto onde nós atingimos mais de 40 mil pessoas entre professores, alunos e comunidade, pois quando o projeto chega no interior ele é um projeto de educação e não um projeto do governador porque a gente abre para que toda a comunidade escolar esteja presente. Isso talvez tenha gerado muito ciúme entre os que se dizem administradores da educação porque pararam de pagar o nosso dinheiro de junho à agosto e nós acabamos paralisando as atividades.



M.C. – O projeto estava tendo o resultado esperado?

S.D. - Na medida em que o aluno se sente presente na conferência e reconhece aquilo que está sendo colocado como dele, há um interesse maior. Ele se vê inserido dentro do contexto, seu cotidiano, sua tradição. Ele percebe que a abordagem é diferente do que ele vê normalmente na escola porque nós estamos falando sobre ele e assim ele se sente participante da discussão. Acaba havendo aquela divulgação do boca-a-boca para a turma da tarde e da noite. Em Santa Luzia do Itanhi tiveram professores que participaram do seminário nos três turnos.



O projeto de educação cultural João Mulungu vai às Escolas é um projeto extremamente vitorioso. Sergipe é o único local no Brasil que existe esse tipo de projeto só que não tem o respaldo do governador do Estado. É lamentável porque a gente entende que o governador é negro, mas ele não se assume como negro, não se reconhece como negro. O governo trata a comunidade como uma coisa só. O resultado é que os negros acabam sendo tratados desigualmente, tendo em vista que existe a desigualdade racial.



(...) Então o projeto João Mulungu vai à Escola veio para ficar, mas nós temos problemas. Há 40 anos eu vinha acreditando que o governador João Alves Filho poderia ser um instrumento de articulação para a valorização do negro em Sergipe e agora me dei mal porque ele nunca fez nada pelo negro em Sergipe. O antecessor, Albano Franco fez muito mais. Ele criou a Delegacia de Crimes Raciais que o atual governo transformou no Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis. Agora, se acontece algum caso de discriminação, ele tem que ser resolvido nesse Centro e isso é realmente constrangedor porque um ser humano não quer ser tipificado como vulnerável.(...)



Eu estou com a minha auto-estima muito baixa em saber que o governador que é sergipano e que é negro não está preocupado com a história do negro em Sergipe. Por isso o movimento negro no Estado está tão desarticulado. O movimento negro em Sergipe não é um movimento social porque não se propõe mudança. O que nós temos são entidades negras que fazem ações isoladas para a concretização do projeto pessoal dos seus dirigentes.



M.C. – Você não avalia que o problema de não se aceitar enquanto negro também é fruto do racismo, da discriminação que pesa sobre o negro e da qual o cidadão quer fugir, dizendo que não é negro?

S. D. - Se com a cultura sergipana existe essa desvalorização_ porque é muito mais fácil você conhecer os escritores sergipanos na Alemanha do que em Sergipe_ que dirá com a questão racial. O negro, aqui em Sergipe, quando clareia um pouquinho já diz que é branco. Então, o preto é justamente aquele que é segregado pelo próprio negro. Sergipe tem 86% de negros em sua população absoluta porque a raça negra é constituída por pretos, pardos e mulatos. Mas enquanto houver essa mentalidade, só é considerado negro aquele que é preto mesmo. Meus sobrinhos e netos que clarearam, acabam virando brancos e a nossa experiência é a do recalque sob a ideologia do branqueamento.



M.C.- Além do resgate histórico junto às escolas, o projeto trabalha a questão da cultura negra, apresentando a dança afro, a capoeira ou esclarecendo preconceitos sobre o candomblé?

S. D. - Eu avalio que muitas vezes é melhor estimular que as cidades do interior apresentem seus grupos de dança, capoeira, maculelê. O resultado é uma interação muito grande. Geralmente, quando a gente consegue avisar da visita com antecedência, tem apresentação de grupos locais. O projeto quer trabalhar a questão da identidade, por isso, quando eu chego nas cidades eu falo sobre as tribos que existiram lá. Quando eles ouvem as informações sobre a caracterização dos índios, a cultura e o modo de vida eles vão começando a se identificar.



(...) A minha presença viva já é um impacto. Quando eu chego na escola com este cabelo o racismo e a discriminação já se aflora. Tem gente que se benze, tem quem diz: “Ave Maria, parece o cão”. Na hora eu finjo que não vejo, mas eu estou vendo tudo e estou percebendo tudo e utilizo isso também na minha explanação pedagógica. Quando termina a minha palestra e todo mundo aplaude eu respondo: Essa é minha vingança porque quando eu cheguei aqui todo mundo se benzeu me chamando de cão, nego, macaco e agora vocês me aplaudem de pé. Todo mundo começa a rir. Então eu acho que é essa interação que tem que ter. Você tem que pegar os elementos que a sociedade está lhe oferecendo para utilizar como instrumento pedagógico, essa colaboração espontânea. É a oportunidade de se discutir o racismo, o preconceito que acontece ali. Eu me sinto tão satisfeito, tão rejuvenescido quando eu estou em ação.



M.C.- Como é que está funcionando o disque-racismo aqui em Sergipe?

S. D. – A pessoa que sofrer discriminação racial e necessite de informações para saber que encaminhamento precisa tomar pode ligar para o 241-5628, que é o número da Casa de Cultura Afro-Descendente. Ontem eu recebi três denúncias de racismo, só que a gente não está mais dando encaminhamento para as denúncias. Nós damos a orientação, remetendo para o Ministério Público Federal ou Ministério Público Estadual. Nós explicamos que a pessoa tem que ir aos jornais denunciar o caso e que preste queixa na delegacia. Com o boletim de ocorrência e a matéria de jornal, nós orientamos o cidadão ao Ministério Público e entregue lá esse material para que a justiça possa receber a denuncia do Ministério Público. Também explicamos que é necessário procurar na Defensoria Pública e na Ordem dos Advogados um profissional para fazer a sua proteção.



Antes nós tínhamos um advogado e tudo era feito aqui. A pessoa chegava aqui, fazia a denúncia e o advogado já entrava com a ação na Justiça. É claro que a pessoa ficava muito mais satisfeita e a possibilidade de desistir de fazer a denúncia era muito menor porque quando a gente diz que é para ir à delegacia, jornal, Ministério Público, Defensoria Pública, a pessoa fica meio desanimada. Então, quem é discriminado muitas vezes tem que engolir a humilhação porque fica com vergonha de dizer que foi discriminado e nós, da Casa de Cultura Afro-Sergipana, estamos sem estrutura para dar o apoio necessário.



M.C. - Na comemoração do Dia Internacional de Combate ao Racismo tem alguma atividade que a Casa de Cultura Afro-Sergipana venha a fazer em parceria com outras entidades?

S.D. – Nós os negros aqui em Sergipe, enquanto sociedade, enquanto instituição, nós não somos solidários. Uma entidade negra, um militante negro disputa com o outro espaço de atuação. A Casa de Cultura está assim _ fundou o movimento negro em Sergipe, na Bahia e em Alagoas_ não tem solidariedade de nenhuma entidade. Eu sei que estão todas passando por dificuldades, mas para ser solidário basta fazer uma notinha no jornal, ligar para a televisão, ligar para o rádio e falar que não concorda com a sabotagem do governo com o projeto João Mulungu vai à Escola, com essa violência que está sendo feita com a Casa de Cultura Afro Sergipana. (...) As dificuldades são muitas, mas eu não desisto. Como não tenho recurso, estou reestruturando o espaço da Casa de Cultura para dar as aulas aqui mesmo e vou continuar buscando parcerias.



DEU NO ' CORREIO DE SERGIPE' - RACISMO


Apesar de ser crime, racismo persiste
Data: 27/02/2005


Há cerca de um mês uma jovem professora foi impedida de entrar no Teatro Tobias Barreto. O motivo? Ela é negra. Apesar de ter ido ao local como qualquer outra pessoa, pagando ingresso e tendo, portanto, o direito de assistir ao que bem quisesse, ela foi barrada. Fez denúncia, levou o caso até o conhecimento de movimentos representativos da comunidade negra, e não teve receio de relatar que foi tida como marginal. Racismo é crime contra a humanidade de caráter inafiançável.


Quem explica a situação é o coordenador geral da Casa de Cultura Afro-Sergipana, Severo D'Acelino, pesquisador da história e cultura negra. Ele milita no movimento negro desde a década de 60 e lamenta que apesar dos esforços empreendidos ao longo dos anos, a discriminação racial continua forte no país e Sergipe não fica atrás. A grande expectativa de Severo é que com a Conferência Estadual de Igualdade Racial, que acontece em Sergipe nos dias 8 e 9 de abril, promova ações mais concretas que impeçam o avanço do racismo no estado.


Severo observa que se faz urgente a afirmação de políticas públicas em relação ao negro, principalmente no que se refere à saúde e educação. Ele lembra da necessidade de se mudar comportamentos e atitudes, para que o negro possa ser respeitado e valorizado em todos os níveis, tendo seus direitos constitucionais legítimos assegurados na declaração dos direitos humanos. No âmbito da educação, o negro precisa, como observa Severo, de motivação e ainda de auto-estima para construção de sua identidade através de uma metodologia inclusiva onde a educação e aprendizagem possam de fato, dar a ele dignidade.


"O negro não nasceu para ser infeliz, e nem para fugir de sua própria raça, como solução para se manter na sociedade", observa o pesquisador. Ele atenta que o pardo e o mulato não se consideram negros e que Sergipe tem 86% da sua população um contingente da raça negra. Severo observa ainda que desde 1968, pesquisa essa questão. Negro, ele é de família oriunda dos canaviais do Cotinguiba tem em Gilberto Freire uma grande referência. Apesar de todo o esforço, uma lamentação: relata que a casa de cultura afro está praticamente de portas fechadas, por não ter como manter as atividades, sem recursos financeiros.

Ações - Mesmo com tantas dificuldades, Severo explica que Sergipe possui diversas ações afirmativas que foram alcançadas durante todos os anos de militância dos movimentos negros. A Casa de Cultura se destaca com o projeto João Mulungu Vai a Escola, levando conhecimento e informação do negro, e índio sergipano dentro de um processo étnico, histórico e cultural aprovado pelo Colegiado de Educação da Universidade Federal de Sergipe - UFS e reconhecido pelo Ministério da Educação.
A Casa de Cultura possui ainda ação de cunho legislativo com o reconhecimento do herói negro sergipano e a introdução de cultura negra na educação e em concursos públicos do estado. Existem ainda diversos projetos como o SOS Racismo no âmbito da comunidade e principalmente no seio da polícia, atingindo a Polícia Militar e Civil. "Hoje, há um entendimento bem melhor por parte da polícia em relação aos negros. Ainda não é o ideal. Existem casos graves de crimes contra o negro por parte da polícia, mas o passado é pior", explica Severo.


Ele lembra que o negro simplesmente por estar andando nas ruas, correndo ou nada fazendo, era visto como elemento nocivo à sociedade e apanhava publicamente por qualquer motivo. Hoje existe um entendimento maior e a PM vem buscando uma parceria com as entidades negras. Um outro trabalho é o Curso de Extensão mantido pela Casa de Cultura através do Centro de Pedagogia Afro-Sergipana, com o direito de promover a capacitação de professores nos assuntos de educação e aprendizagem na ação inclusive dos temas afros e indígenas.


Os cursos são de 40horas realizados em finais de semana e acontecem na sede da Casa de Cultura no bairro Siqueira Campos atendendo a universitários e professores. Dentre os temas debatidos, fica, como diz Severo, o problema da fuga empreendida pelo negro, de sua própria raça, para sobreviver. "É nesse sentido que esperamos ver as ações resultantes da Conferência Estadual, promover mudanças estruturais para que a igualdade racial seja o sinônimo da unidade e diversidade", observa o pesquisador.

Direitos e apoio - Severo D'Acelino atenta que por muitas vezes, o negro se sente constrangido e teme denunciar o racismo. Com isso, sofre calado, tem problemas cardíacos, estresse, palpitações e depressões profundas. Ele observa que há medo de denunciar para não perder o emprego. Outras vezes promove a denúncia, mas o racismo é qualificado como difamação e a pena para o infrator é atenuada. Ele conta que a Casa de Cultura recebe diariamente mais de 10 telefonemas por denúncia de racismo, mas, no momento, de testemunhar as pessoas temem se pronunciar.


A maioria não quer ir à delegacia, se sente inibida, por muitas vezes ser alvo de brincadeiras maldosas como piadas. Diante de tudo isso, Severo observa que seria importante uma delegacia específica para o atendimento dos negros e tratamento dos casos de racismo. "Isso deixaria as pessoas menos constrangidas e seguras de seus direitos, para que cheguem à Justiça sem sofrer nenhuma discriminação", ressalta. Sobre a Justiça, ele atenta que essa ainda não age com austeridade contra o crime de racismo.


Observa que poucas vezes, o racismo é configurado como deveria, o pesquisador lembra que o crime passa a ter muitas faces, muitos rótulos e quando se chega a um processo, por vezes, já se trata de outra acusação. "Precisamos lembrar o passado, de personalidades negras de Sergipe. Entre elas, estão: Tobias Barreto, Silvio Romero e João Mulungu. Eles não podem ser esquecidos", observa Severo deixando no ar a pergunta: se estivessem vivos também seriam discriminados?

Parceria - Ainda em relação a Conferência Estadual de Igualdade Racial, o secretário de Estado da Justiça e Cidadania, Emanuel Cacho esteve na manhã do último dia 23 na cidade de Estância participando ao lado do prefeito daquela cidade, Ivan Leite e de representantes de prefeitos de cidades circunvizinhas, da primeira de uma série de reuniões com prefeitos de Sergipe, no objetivo de conseguir apoio para a conferência que acontece pela primeira vez em Sergipe.


No dia 24, representantes da Sejuc estiveram em Nossa Senhora da Glória realizando a segunda reunião. Ele lembra que é de suma importância conseguir não só o apoio, mas subsídios dos prefeitos e assessores para a realização da conferência em Sergipe.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

ENTREVISTA DADA PARA SITE DO AMIGO - DUCK - O MAIOR INTERPRETE DA CULTURA SERGIPANA




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ENTREVISTA COM SEVERO D'ACELINO
Diretor da Casa de Cultura Afro-sergipana

Severo, eu lhe conheci em 1976 quando cheguei a Aracaju, e a minha primeira experiência em palco foi através do GRFACACA, que era um grupo de teatro que você tinha, onde eu fiz meu primeiro experimento em palco como ator, depois eu fui pra música. De lá para cá, o que mudou em Severo?

De lá pra cá não mudou nada, continua a mesma coisa, o Severo é o mesmo, o Grfacaca, hoje, completa a Casa de Cultura, né? Porque de 1968 com 1982, 1984 a gente mudou a denominação do Grfacaca para Casa de Cultura, que neste exato ano tá fazendo 40 anos, né? e a sua passagem por aqui foi muito bem aproveitada porque você se tornou um agente multiplicador, não só na forma cênica e dramática do teatro, sobretudo, nas interpretações da música, da cultura popular, onde se descortina a parte maior do aprendizado do ator que é exatamente nos ritos populares, e isso nos envaidece e mostra que o Grfacaca, a Casa de Cultura, continuam viva.

MOVIMENTO NEGRO.

E o negro Severo?

O negro Severo continua frustrado, porque o sonho ainda não foi realizado, né? Existe uma série de frustrações porque a gente luta pra dar dignidade a raça e o coletivo negro, e a cada dia a mais recusa-se a um processo organizacional, a um processo legítimo, recusa-se a ser reconhecido e a se reconhecer. Portanto, o negro hoje continua com a ideologia do branqueamento, o negro quer ser branco, o negro não gosta de negro, principalmente o preto, né? que é o negro de marca. E os negros de origem que são os pardos e mulatos? esses descambam para o outro lado do muro e dizem que são brancos. E nós aqui, ficamos lutando, dando porrada em ponta de faca, mas continuando, porque alguém tem que fazer isso. Em 1930, o pessoal lá em Recife mandou brasa, em 1935 Abdias Nascimento em São Paulo, enfim, tem sempre um doido para continuar com a luta, né? como uma forma ideológica. O movimento negro aqui em Sergipe, estamos presenciando um movimento negro chapa branca, que são as lideranças de aluguéis, as lideranças que abandonam o coletivo em busca de um cargo no governo. Então, tá todo mundo. Uns estão trabalhando para o prefeito e outros para o governador, eu como sou homem de estado, não vou atrás nem de governador, e nem de prefeito, por isso sou excluído.

RELIGIÃO

Qual a sua religião?

A minha religião, é católica apostólica romana, depois católica apostólica brasileira, católica apostólica sergipana, e com a fundamentação no candomblé, né? que é a religião dos orixás, a religião dos meus ancestrais, e daí... o catolicismo tem essa questão da cultura ecumênica, e a gente tá nesse ecumenismo, evidentemente que a gente de vez em quando atropela, né? e tropeça no elemento pragmático do judaico cristão, em pleno candomblé, né? Olha ogum tá de ronda! quem tá chamando é São José! Quer dizer: tá usando uma forma de resistência, e nessa resistência, nós temos aqui uma cultura de remendo, uma cultura de recriação. Então, eu acredito que o Brasil tem a maior cultura e a mais democrática de todo o universo, porque aqui, todo mundo dá as mãos, exceto uma facção dos evangélicos que tá ganhando dinheiro com o candomblé, ao mesmo tempo em que diz que o candomblé é coisa do cão. Só que eles esquecem que no candomblé não existe nem céu, nem inferno, e nem pecado original.

E o candomblé em Sergipe?

O candomblé em Sergipe é fascinante, é fascinante multifacetado, né? e dentro desse processo, a gente vê que nós não temos identidade. O candomblé em Sergipe é como as relações raciais, o negro não quer ser negro, e o pessoal do candomblé, não quer dizer que é do candomblé. Dificilmente você identifica uma pessoa do candomblé na rua, porque quando eles saem, deixa os dologuns em casa, esconde tudo, vivendo o candomblé, hoje, como se fosse no século XVIII, ás escondidas. E os ritos? e as raízes? O axé do candomblé de Sergipe, já não existe, está na superfície. Quem começou no nagô, que é a raiz do candomblé, que foi associado também ao toré dos índios, que seria a homenagem dos ancestrais negros aos índios, porque eram amigos virtuais. Depois do toré foi introduzida a angola, e na angola já começou a praticar o feitorio, mas ainda muito distante, e da angola se passaram muitos anos, porque quando tinha uma festa num terreiro: se tocava nagô, terminava em toré, e se tocava em angola, terminava em nagô. Porque na hora que tocava pra Nanã, que é o orixá mais forte juntamente com Obaluaê, Oxumarê e Exu, que são do gege, então, na hora que tocava pra Nanã, sai de baixo! porque o preto velho vinha. E aí, o pessoal começou a ir para Bahia, Rio de Janeiro e voltou com essa novidade do keto. Ora, aqui sempre teve keto, na casa da minha avó, Mãe Elisa. O nagô é keto. O orixá dela, Xangô Airá, quando incorporava, era saudado em keto, só que era o keto de mão, não era com as varetas não, e todo rito de Xangô, de Nanã, de Yemanjá, que eram os orixás da cabeça da minha avó, tinha todo um rito diferente e em qualquer terreiro que ela chegasse aqui, ou minha irmã Nair, o pessoal tocava de mão, havia um respeito enorme!

E em que época se deu isso?

Não muito distante, há uns trinta ou quarenta anos atrás, nos anos cinqüenta, porque minha avó ainda estava aqui em Sergipe, depois ela foi pro Rio de Janeiro, e aí, depois começou as introduções carnavalescas trazidas do candomblé do Rio de Janeiro, que não influiu na alegoria o candomblé da Bahia, tá entendendo? O candomblé da Bahia não se inclinou a coreografia, as lantejoulas e nem os paetês carnavalesco do Rio de janeiro que aqui chegou com Marizete, Zé de Abacossô, né? Lá no Rio de Janeiro, Zé de Abacossô ara o rei do candomblé.

E Lê nesse contexto?

Lê não foi pego por esse vírus do carnavalesco, não, dessa coreografia, dessa indumentária carnavalesca que veio do Rio de Janeiro, não. Lê não, Lê foi o mais importante Babalorixá de Sergipe, porque ele estava junto com os padres, junto com os protestantes, junto com os empresários, junto com os políticos. Lê era um factótum... se tinha um seminário, Lê estava lá; Se tinha um batizado, Lê estava lá; Lê é a referência. Todos os pais e mães de santo de Sergipe deveriam se espelhar em Lê. Graças a Deus, a parte social de Marizete está aflorando e ela está muito mais diplomática, faz gosto você conversar com ela, você olha nos olhos dela e vê aquele brilho, dá uma paz, você sente a verdade, você se sente a vontade, é um privilégio conversar com ela.

E o Vale do Cotinguiba?

O Vale do Cotinguiba deu-se mais as Loxas, Maria Pelágio, que era a grande Loxa daqui, e que levou o Nagô para Sergipe todo. Olha, eu fui num congresso na Bahia, no SECNEB, e tive que apresentar alguma particularidade do candomblé de Sergipe, então, eu invoquei o velho, tocando nagô, tocando para Obaluaê, e foi um delírio lá no Ilê Axé Opô Afonjá. E mestre Didi, que é o Alapilim dos egunguns com outros da comunidades, me ajudaram a tocar, e eu fiquei tão emocionado, que comecei a chorar. Eu me lembro bem que era: Olorum aê, Olorum aê, comassi lodê, aê totô! E o pessoal da casa dos egunguns começou a responder e a tocar, porque o ritmo é parecido com o do egungun, com xambá de Pernambuco, com o jongo do Rio de janeiro e com os tambores de mina do Maranhão. Eu sou apaixonado pelo preto, pelo negro e pela cultura negra.

O POETA

Agora eu queria que você falasse sobre o poeta Severo.
Ah! Meu Deus do céu! A poesia! Meu filho, quando a gente nasce é como... Deixe eu plagiar aqui da Bahia, “O baiano quando nasce, já nasce estrela”, né? De sorte que, quando o negro nasce, já nasce poeta, porque as melhores poesias, as melhores obras de literatura, vem da literatura oral, são os orikis dos orixás, os orikis das famílias, são os cânticos de trabalho, são os cânticos dos terreiros de candomblé, são os contos, aquelas histórias que as nossas avós contavam, as que as pretas velhas contavam para os meninos brancos, tá entendendo? só que a literatura dos negros, nunca foi valorizada aqui no Brasil, porque o negro, o negro preto, ou o pardo, ou o mulato, quando estava muito notório, ele nunca escrevia sobre o negro. Cruz e Souza, em Santa Catarina, na peça do desterro, só veio escrever sobre o negro enquanto negro, nos últimos dias de vida dele, quando já tava tuberculoso, pra morrer, tá entendendo? porque o negro escreve muito ligado a Arcádia, para o erudito, a cultura negra não é erudita porque nós somos populares, você chega pro Babalaô, ele está lá. O preto velho quando incorpora e tira as loas dele, que tira os pontos, que ensina como você deve fazer, aquilo ali é uma literatura. Só que literatura oral no Brasil, não tem o menor valor, em Sergipe principalmente, porque em São Paulo, na USP, você pode defender uma tese tendo como referencial a literatura oral, aqui na UFS você não consegue porque os professores desqualificam o seu trabalho, porque não tem referencial acadêmico. Então, a minha poesia, é a poesia do sentimento, é a poesia que eu aprendi na minha vivência. Não aprendi na escola, não aprendi nos livros. Minha poesia não tem rima, minha poesia tem emoção, porque escrevo com o coração, sem métrica e sem divisão. É como estou falando, no ritmo das minhas danças, dos meus rituais, se redescobrindo através do olhar do outro, e esse olhar é poesia.

Já que estamos nesse viés, como você vê a implementação da lei 10639/2003, que torna obrigatória a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira nos currículos escolares?

Veja bem, eu, na época, enquanto entidade e pessoa física, briguei. Começamos aqui a luta no conselho estadual de educação, e no conselho estadual de cultura, para introdução da cultura negra, isso nos anos sessenta, que teve a primeira vitória em 1986, onde na oportunidade quem era o presidente do conselho estadual de educação, era o professor Cleovansóstene Souza de Aguiar, que era um cara arretado. Ele reconheceu que era importante, e a nível nacional, não tinha nada disso. Em 1999, nós conseguimos uma outra vitória, quando enviamos um processo para a assembléia, através da deputada Suzana Azevedo, no governo de Albano Franco, e que foi aprovado a introdução da cultura negra no ensino do primeiro e segundo graus, foi aprovado também, o reconhecimento de João Mulungu como herói negro sergipano, porque antes, era só de Aracaju e de Laranjeiras, e também foi aprovado a introdução do conteúdo do negro e do índio em todos os concursos públicos de Sergipe, e que até hoje não foi obedecido pelo ministério público, nem pela universidade, e nem também pelo Estado.

COTAS

E as cotas?

As cotas é uma aberração. Eu respeito Lula por ter feito essa introdução a nível nacional, para que o negro tivesse a oportunidade de ser visto nas grades curriculares, eu aceito isso e bato palmas pra ele, se bem que não foi uma lei, foi um arranjo que ele fez da LDB, porque isso já existia, mas depois que ele insistiu com esse negócio de cotas e a obrigatoriedade da cultura negra nos currículos escolares, que não foi à frente, porque até hoje a Universidade Federal de Sergipe, em nenhum concurso entra o conteúdo de cultura negra. Aí ele fica com esse jogo de marketing, de cota. Isso é uma aberração, um desrespeito ao negro, ao coletivo negro do Brasil. Então, é necessário que alguém diga bem alto e de bom som que Lula pare com isso, porque é um desrespeito. É mostrar exatamente que o Estado oficial, é racista. Porque isso mostra o lado obscuro, para cristalizar que o negro é burro, porque nós sabemos que o negro não é burro e que não tem capacidade de entrar na universidade por mérito, e aí, vamos abrir uma janelinha, uma cota para a negrada. Isso é uma esculhambação. Eu e a Casa de Cultua não concordamos, por isso somos exilados, execrados pelo movimento negro petista. Por isso, estamos entrando com um processo contra a Universidade Federal de Sergipe, para que ela coloque na grade do vestibular dela 20% da cultura indígena, 25% da cultura negra em todas as matérias das humanas. No Brasil oficial, só se fala da cultura do branco, o negro não tem consciência negra, o negro nasce com consciência branca desde quando é batizado. Quando você vai registrar seu filho com nome africano, eles dizem que com esse nome não pode ser registrado, porque a criança quando crescer, vai ficar com vergonha, tem que ser um nome cristão. Se for homem, é José, Severino, Maria... Os japoneses podem colocar nomes étnicos nos seus filhos, mas os brasileiros não podem, por isso o Brasil é um país de ideologia fascista e racista, cristalizando essa cultura européia.

O CIDADÃO

O cidadão severo, como ele olha pro mundo?

Eu olho pro mundo com muito respeito, e vou tirando lições do que vejo.
Severo, com relação a sergipanidade, a questão do sergipano não ter vergonha de assumir seus valores culturais, a questão de que tem que vir de fora pra ser bom, a questão dos nossos políticos não terem um olhar sergipano pras coisas de Sergipe, pra cultura sergipana, você tem essa mesma impressão?

É uma questão de identidade. Jackson da Silva Lima, inclusive eu tenho o maior respeito a ele, a história da literatura sergipana tá na cabeça de Jackson da Silva Lima, dentre outros. Em um dos trabalhos de Jackson da Silva Lima, ele escreve lá, e diz o seguinte: "sergipano não é somente aquele que nasceu em Sergipe, mas aquele que vive Sergipe". Por isso, muitos desses políticos e muitos desses que não se reconhecem como sergipanos, é porque não vivem Sergipe. A sergipanidade que foi fundamentada por Silvio Romero e que a trancos e barrancos está sendo carregada por Luís Antônio Barreto.

Silvio Romero foi contemporâneo de Nina Rodrigues...
Sim! Mas ele não aderiu a Nina Rodrigues, ele foi crítico de Nina Rodrigues em muitas coisas, e que também fez besteiras por ter introduzido o arianismo mesmo que não tenha prosperado, mas não é por isso que vou desrespeitar Silvio Romero e Nina Rodrigues.

Claro! Até porque a contribuição de Nina Rodrigues na catalogação dos povos africanos no Brasil foi fantástica.
E também desrespeitar Gilberto Freire com “Casa Grande e Senzala” porque ideologicamente os negros do PT são contra.

Severo, desde 1976 quando eu lhe conheci, e que também foi o ano que vim morar em Aracaju vindo lá da beira do rio, de Neópolis, e de lá pra cá eu venho, desde então, acompanhando sua luta, e uma coisa sempre me chamou a atenção, que é o fato de você está sempre construindo, é o espírito joão de barro construindo seu patrimônio cultural?

(sorrir) Meus ancestrais foram escravizados aqui no Vale do Cotinguiba e a cultura que foi trazida há mais de quinhentos anos, né? porque eu sou uma pessoa que tem mais de quinhentos anos de cultura, né? e que vem de uma família tradicional; mas existe essa coisa de estar fazendo sempre algo. Qual foi o governo? e qual será o governo? com exceção da Bahia, de Recife, de São Luís do Maranhão, que transformaram antigas cadeias públicas em espaço cultural para os negros? de antigos locais de venda de escravos, em lugares pra negro? Em São Luís do Maranhão, o mercado antigo é espaço cultural para a comunidade negra. Em Sergipe, qual o governo? Qual o prefeito que vai se atrever a fazer alguma coisa pra negro? Se o negro tiver correndo na rua fazendo exercício pra baixar o colesterol, é preso, porque negro correndo na rua é ladrão. O governo aqui, não tem a menor capacidade e sensibilidade para fazer cultura porque eles não mantém sequer o patrimônio da cultura do Estado, a cultura oficial. Eles preferem contratar o que vem de fora pagando uma fortuna, ao invés de promover essa construção aqui, tá entendendo? Se a própria Secretaria de Cultura é um lixo, desprezada por todos os governadores que se sucederam. Desde Augusto Franco que a Secretaria de Cultura não é nada, porque eles pensam que cultura é agricultura, se não der dinheiro e voto, não tem valor. Por quê eles não se atrevem a colocar 5% dos recursos do Estado pra cultura?
Eu acho que os empresários precisam ter essa visão moderna, que é investir na cultura para conceituar o seu produto.
Eles têm. Só que eles só são estimulados pelo governo, pra dar dinheiro pra político fazer campanha eleitoral.

ÍDOLOS

E Chico Rei?

Chico rei, é uma referência do socialismo no Brasil. Esses partidos ditos de esquerda, deveriam se espelhar no trabalho de Chico Rei.

E o filme?

O filme foi um filme fantástico, e continua sendo. Me levou as paradas nos Estados Unidos onde a revista Variaty me considerou, dentre os negros atuantes no mundo, como o terceiro ator mais importante daquela fase, só que eu não me considero ator, porque como poeta, eu sou intuitivo, eu atuo por emoção, se a cena for pífia, ou eu não faço ou mando cortar, porque quando eu faço, eu boto pra quebrar. Os diretores que eu tenho trabalhado sabem que eu não sou um ator técnico, eu sou um ator de intuição, eu boto minha emoção no personagem. Eu fiz Chico Rei, fiz Candelário e fiz outro que não tô me lembrando que foi aquele que fez o guarda-costas de Getúlio Vargas... esqueci. Em Tereza Batista, eu me inspirei naquele negro que fez o guarda-costas de Getúlio Vargas, em Espelho D'água, me inspirei em Ciro Gomes, estudei as macacaquiações de Bezerra e de João Alves, juntei com as expressões de Seu Antônio, que é o verdadeiro defensor do São Francisco, e mandei brasa.

Zumbi?

Não tem palavras! O herói das três Américas, o camarada veio da África pra mostrar o estrago que veio fazer aqui. Implantou o socialismo com Chico Rei, Luísa Marrim... e vou dizer uma coisa: Zumbi peitou Gangazumba e mostrou que Palmares não podia parar, e aquele desgraçado de Antônio Soares que vendeu Zumbi por trinta moedas, porque os traidores estão no nosso próprio grupo, porque quem trai são os amigos. Então, Antônio Soares acabou com o sonho de liberdade do negro, que arrombou com Zumbi. A polícia chegou lá e meteu bala em zumbi e depois espetou a cabeça dele, e o resto do corpo espalhou por aí, como era praxe da época. E assim fez também com Tiradentes e com tantos outros.

CASA DE CULTURA

E antes da gente encerrar, eu gostaria de saber quantos anos você tem?
Eu vou fazer sessenta anos precisamente no dia 03 de outubro, que era um grandioso dia que o Brasil tinha, quando se elegia o presidente, hoje não, são acordozinhos.
O cidadão severo mora só já faz algum tempo, como é esse mundo aqui dentro? Você se trancou pra transformar a casa de cultura em um lugar onde as pessoas possam vir aqui pra beber o que você tem pra dar? como é esse mundo solitário de Severo?
Veja bem, eu sou uma pessoa muito emotiva, uma pessoa muito carente, muito, muito, muito necessitada e essa minha introspecção, essa volta ao casulo, é o retorno ao ventre da minha mãe, porque a gente se sente mais seguro no ventre materno, então, é o casulo, é o retorno ao útero materno e sai mais revigorado. Existe o orixá Obaluaê que vive encapuzado e nem todas as pessoas vêem o rosto do velho, a não ser quando Iansã sopra uma ventania e tira o capuz dele, né? Tem esse arquétipo, mas também tem a frustração.

Você é uma pessoa solitária?

Não. Eu sou uma pessoa solitária porque sinto necessidade da solidão. A solidão é uma forma de me ver, a solidão é um sinônimo de loucura, quando eu começo a falar com a televisão, é porque Severo não tá bem, aí eu saio, leio um livro...
E o que Severo tem a dizer pro mundo?
Olha, é complicado. Eu quero dizer ao mundo que Sergipe tem a maior população negra proporcional do Brasil, com um percentual de 87% de negros, e que venha a Sergipe, porque Sergipe é bom demais. É difícil ser negro no Brasil, mas ser negro é bom demais. Sergipe é o núcleo da inteligência Brasileira. Um abraço.
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

HUMANIZAÇÃO DAS DELEGACIAS - RESPEITO E FIM DAS DISCRIMINAÇÕES E AUTORISMO


Humanização das Delegacias

A valorização do pessoal alocados nas Delegacias e que compõem seus quadros funcionais e operacionais é o primeiro passo a Valorização e Respeito aos que ali procuram os serviços oferecidos. É extremamente constrangedor o modo como somos tratados por alguns agentes de segurança em Delegacias e, acreditamos que a falta de controle emocional e ou psicológico, somos muitas das vezes tratados como perversidade, onde somos desrespeitados, nossa presença omitidas, selecionados para atendimentos, nossas inteligências insultadas, onde não é permitida a nossa expressão de indignação porque podemos ser presos, vilipendiados, os constrangimentos e as brutalidades são ali, recorrentes com as arrogâncias, desprezos e autoritarismo dos seus agentes que ante suas má vontades inibe a nossa voz e viola nossos direitos, com o péssimo atendimento o que piora a situação a nossa situação pois, mesmo como vítimas somos tratado como culpados, na medida do tratamento maniqueísta o que nos deixa deprimidos, nervosos e com medo de todos, a beira de uma crise nervosa e de surto pela tensão nervosa, causada pelo ambiente gerada por seus agentes. É uma tortura ir a determinadas Delegacias onde todos são autoritários, onde todos são Delegados.
Uma Delegacia onde somos colocados á disposição, bem tratados, estimulados a verbalização , informações, relaxamento e orientações, certamente seus agentes podem não ser os melhores, mas nos provocará reações positivas para que possamos expressar nossas dúvidas e expor nossos problemas para soluções sem medo de constrangimento, repreensões, esporros.
O que precisa é uma seria ação de valorização e capacitação destes recursos humanos alocados nas Delegacias, ampliação do seu quadro e inclusão de psicólogos e pedagogos para dar respaldo aos usuários e apoio ao Delegado. Seria excelente que as Delegacias fossem indicadas como área de estágios para estudantes de diversas especialidades e que as Relações Interpessoais, fosse um curso constante para esses servidores pois com isso a Diversidade seria respeitada e as violências substituída pela gentileza. Com a palavra o Secretário de Segurança. Delegacia é um órgão público e todo órgão publico deve se espelhar nos privados, pois ali se os empregados tratam mau os cliente, certamente estarão desempregados.
Aplausos para os agentes que ajudam e respeitam os que recorrem aos serviços prestados em suas Delegacias. Eles fazem as diferencias e não se aproveitam de suas funções para descarregar suas frustrações nas pessoas que procuram os órgãos de segurança. Estes sim, são autoridades e não “pequenas artoridades” que discriminam as pessoas conforme suas aparências, condições e ou companhias.