domingo, 20 de julho de 2008

QUINTINO DE LACERDA O ARAUTO DA SERRA. CONTO DE SEVERO D'ACELINO DEDICADO A LUIZ OTÁVIO DE BRITO - ATIVISTA NEGRO DE SANTOS.







QUINTINO DE LACERDA O ARAUTO DA SERRA

No tempo da escravidão, o negro apanhava e buscava alternativa de vida, seja na fuga como estratégia de luta ou se deixava levar buscando seu tempo para revidar com sabedoria ou simplesmente como reação a violência sofrida, A Vila de Santos Antonio da Almas, foi palco como em toda Vila da Capitania de Sergipe, de lutas transformadoras, onde os negros buscavam através dos diversos manifestos, se manter em constante vigilância contra as violências.

Entre Colinas, Serras e Canaviais, caminhava um garoto cabisbaixo, roupa em tiras, ia em direção do rio onde pretendia tomar banho e contar nuvens, observar as figuras etéreas que ali se formava, sempre que o tempo ficava mais quente.

Gostava de tomar banho e correr entre as pedras exercitando sua musculatura que já se pronunciava, mesmo em contraste com a sua magreza em relação a sua altura, parecia uma vara de bambu. Sempre que fugia do engenho e da violência do feitor do senhor e do capataz, que ainda lhe queimava as mãos como castigo, vinha para a s margens dói córrego que chamava de rio.

Quintino sabia da sua situação e sabia também onde viviam outras crianças que fugiam do cativeiro e pensava sempre em se juntar a elas. A sua vida não era muito boa, e assim pensando chegou a beira do riacho, despiu seus trapos e andou pelas margens, brincando com uma borboleta e logo mergulhou sentindo a temperatura da água lhe invadir todo corpo, abstraindo seus pensamentos, aliviando as torturas físicas e morais de sua infeliz alma.

Saiu do riacho e deitou sobre as relvas sem nenhuma preocupação, vez em quando admirava o seu corpo nu que se alongava e se transformava, achava que seus braços eram muito grande e suas pernas também, queria parecer como o Francisco, todo inteiro e musculoso e sem medo de nada e assim dava vazão aos pensamentos que corria mais rápido que as nuvens, transformando em imagens fantásticas.

Deu outros mergulhos e depois subiu numa árvore frondosa que margeava o riacho e lá em cima podia ver o cenário verdejante que compunha o local, avistava também os movimentos dos escravos na lida, uma na lavoura outros no Canavial e outros, cuidando do gado, lá de cima tudo era diferente só a sua visão descortinava o ambiente sem lhe trazer sofrimentos. Era livre, pelo menos da sua imaginação.

O sol esquentava , aquecendo a temperatura, pois o vento quando soprava mostrava a verdadeira frieza que fazia o lugar, mas Quintino se aquecia de esperança, desceu da árvore e voltou a deitar na relva, desta vez bem perto da margem com os pés dentro d água e a cabeça por sobre uma pedra e fitando os céus por entre os galhos.

Ensaiou alguns passos de fugas e defesas, para no momento oportuno seguir sozinho em busca dos quilombolas, sabias que muitos grupos de quilombos aceitavam meninos, pois já ajudaram muitos dos seus amigos a fugirem para os quilombos e deixarem de apanhar. Nunca disse nada a ninguém, nem a sua mãe.

Quando apanhava recebia dela a mensagem para fugir, mas até agora não fugiu, tem medo e pena de deixar a mãe apanhar por causa dele, pois já viu muitas das mães apanhando por seus filhos terem fugido, o mais recente foi Malaquias de pouco mais de seis anos, o Sinhozinho disse que ele não vingaria e que seria morto pelos bichos ou de fome.

Nezinha foi embarrigada pelo Sinhozinho e agora não podia mais sair com ela que depois da surra está com os pés quebrados. Só anda mancando, dizem que vão mandar ela pras bandas do Maruim para ser ama de uma velha.

Tempo passou e foi vendido, mas sua mãe não chorou. Foi vendido para um coronel que ia viajar e foi vendido como ladrão. Nunca tinha roubado e ainda apanhou no tronco antes de ser entregue ao novo senhor, saiu do engenho com marcas gotejantes.
Na casa do novo dono, foi tratado pelas filhas dele e ele era muito bom e na viagem foi tratado diferente dos outros escravos que se encontravam no navio. Passou muitos dias até chegar no destino, era uma terra fria e agitada
Se ouvia muitos gritos.

Na casa do senhor, ficou do lado de dentro, não dormia na senzala e lá não tinha senzala, tinha uma ruma de gente que entrava e saia depois de muitas conversas.

Uma vez o senhor perguntou se não gostaria de aprender a ler e mandou suas filhas lhe ensinar e já começava a fazer parte da comitiva que visitava o senhor, pois pedia até a sua opinião, quando ia levar alguma coisa que mandavam.

Quintino crescia se tornava um negro forte, já fazia alguns serviços para fora, como negro de ganho, andava no Porto e não era perseguido e até começou trabalhar no cais.
Um dia uns amigos do Senhor lhe perguntou se não gostaria de chefiar um local para proteger os negros que fugiam dos engenhos. Ele pestanejou e lembrou de seus amigos que fugiam do cativeiro ainda criança e iam procurar por chefes de quilombos. Lembrou de Malaquias e sua coragem fluiu como um sonho realizado. Disse que sim e que poderia fazer o que precisasse.

Ele desconfiava que muitos desses Senhores, invadiam os engenhos para libertar negros, já tinha percebido isso por diversas vezes, principalmente quando era acordado madrugada pelos barulhos surdos que vinham da sala e sempre percebia pela manhã alguns negros com mochilas, esperando serem levados para o serviço.

Quintino vivia entre intelectuais progressistas, ativistas que lutavam contra o escravismo. Aprendeu a se portar ativamente, sem subterfúgio, enfrentando as adversidades e dialogando com os maiores pensadores da resistência.

Naquele mesmo dia foi levado com alguns escravos em comitiva para o local onde seria o maior quilombo agrícola do sul do país. Jabaquara onde buscou liderar as ações de permanência dos resgatados, usando estratégias ancestrais nunca antes praticadas.
A resistência do Jabaquara interagia com a comunidade de quem era conhecido e reconhecido, diversas vezes fez interferência em favor do coletivo de Santos

Como chefe do Quilombo do Jabaquara destacou-se como líder obedecido sem contestação. É a fase heróica da vida desse negro corajoso. Chefiou homens armados, capoeira, resgatando levas de escravos, na Serra do Mar, para levá-los para a Vila da Redenção como o povo chamava ao Jabaquara. No Quilombo, a organização da nova vida: a vida com liberdade.

E o batalhão que ele formou com negros e brancos contra a Revolução da Armada? Revela além de coerência política, a compreensão da necessidade de unir as raças. Quintino não foi só obra do ambiente ativo de Santos. De vários modos e em diferentes etapas da vida, ele mostrou um marcado valor social.
Com seus companheiros e com toda comunidade santista, comemorou o Lei Áurea, o fim do cativeiro.

E foi chamado a prosseguir na luta, sendo inspetor de quarteirão. Foi condecorado pelo Presidente da República Marechal Deodoro e atendendo aos pedidos se ligou ao legislativo municipal e concorreu as eleições sendo eleito o primeiro Vereador Negro do Brasil.

Mas as suas insatisfações se cristalizarão pela demonstração de intolerâncias, do racismo e das discriminações e se retirando da política, buscou outras atividades para suas ações. Já casado com filhos entrou em depressão e faleceu.

A cidade demonstrou o seu orgulho, seu amor e seu respeito pelo insigne Herói da Libertação e lhe deu efusiva despedida, gravando na Matriz e no Cemitério Central, memorial do seu legado.

Anos depois seu reconhecimento foi eternizado nos versos do Hino da Cidade e nas homenagens que lhes prestaram mandando erguer monumentos ao Coronel Quintino de Lacerda, patente outorgada pelo primeiro Presidente desta Nação, ao menino escravo dos engenhos de Sergipe, em Itabaiana terra de João Mulungu e grandes Heróis Negros. O maior reduto de quilombos de estradas do Brasil. Seu nome também foi lembrado em sua terra, onde denominaram uma artéria publica com seu nome e reconheceram-no pelo seu legislativo municipal, como Herói Negro de Itabaiana, considerando o 8 de Junho como o Dia Municipal de Luta da Consciência Negra em sua homenagem gravado em 20 de setembro de 2001.

Chefe do Quilombo do Jabaquara e primeiro líder político negro de Santos. Nascido em 08 de junho de 1839, Quintino de Lacerda, foi o mais atuante agitador da abolição no litoral Paulista, garantindo abrigo a escravos fugitivos de toda a região do planalto, que aqui buscavam defesa.

O Quilombo do Jabaquara, era verdadeiramente inexpugnável, defendido pelas encosta do morro do Jabaquara e com um único caminho de acesso permanentemente guardados pôr sentinelas de Quintino.

Em 1850 haviam 3.189 escravos em Santos, para uma população livre de 3.956 habitantes.

Não deixa de ser surpreendente que quinze anos depois já existia uma forte resistência organizada e que três meses antes da abolição do instituto da escravidão no Brasil, em Santos já não houvesse escravos. Tanto que dia 13 de maio de 1888 seguiram-se oito dias de festa populares, comícios, passeatas músicas e dança nas ruas.

Quintino de Lacerda foi o centro das atenções e chegou a receber, em solenidade pública, um relógio de ouro, como uma homenagem popular a seu mais querido líder abolicionista.

Com a abolição, o irrequieto Quintino lança-se à luta política, incorporando, pela primeira vez, os negros ao processo político na cidade. Organiza e comanda um batalhão na defesa contra uma possível invasão de tropas rebeldes interessadas em depor o Marechal Floriano Peixoto. Recebe, em reconhecimento, o título de Major Honorário da Guarda Nacional, em 1893.

Sua eleição para a Câmara municipal, em 1895, porém, faz eclodir uma grande crise política fomentada pelos setores racista. Ela começa com a negação de sua posse como vereador.

ARQUIVO HUMANO REVISITADO POR SEVERO D'ACELINO. Nota da Editora MemoriAfro.




Nota da Editora MemoriAfro.


ARQUIVO HUMANO – REVISITADO

O ARQUIVO HUNANO AFRO SERGIPANO – através das narrativas lineares e breves de Severo D'Acelino é revisitado tendo como base a expressão de sua atuação positiva, levantada pela imaginação do autor que busca no transporte difundir o conjunto de suas manifestações e idéias, com ritmos, tensões e conflitos através da dramaticidade em flashback, sem, contudo fugir da psicologia dos seus personagens nem as motivações dos episódios narrados.

O manifesto permite a multiplicidade de interpretações e referendus históricos estoriados, fundamentos da tradição oral que se manifestas em todos os níveis das relações e comunicações humanas, gerando emoções e conflitos.

A memória coletiva detém infindáveis informações que se expressão através dos sentimentos, denunciando as ações manifestadas por reproduções de imagens diversas, capazes de ferir, atenuar ou cristalizar sentimentos negativos e ou positivos conforme a interpretação que se da aos fatos.

A oralidade tem diversas manifestações em uma única expressão que pode gerar ou não, conflitos e emoções diferentes.

As narrativas encontram alvos nos diversos líderes que em Sergipe de influência africana, produziram grandes feitos mesmo diante das adversidades de um território contrário as manifestações negro-africana, detentores de valores etnocêntrico, fundamentados pelos portugueses, sem no entanto lhes oferecer o conjunto destes espaços ao condutor europeu.

O conjunto organizado de idéias, saberes tradicionais e culturais, marcam profundamente as narrativa com desdobramento em diversos níveis do conteúdo histórico, organizacional das Tradições Africanas em Sergipe e seu Arquivo Humano.

Os Contos buscam assinalar episódios dos personagens centrados na narrativa, com cenários reais e pictóricos da territorialidade espacial onde o personagem conviveu e os fatores que os cercaram na trajetória narrada, revivendo mesmo que paralelamente, manifestos de episódios que possam emprestar dramaticidade e sentimentos a inspiração e o entusiasmo da criação rítmica da imaginação do autor num relato oral e tradicional de contornos verossímeis e também ocorrendo dentro do maravilhoso e do sobrenatural.

Seus conto são narrativas curtas. O tempo em que se passa é reduzido e contém poucas personagens que existem em função de um núcleo. É o relato de uma situação que pode acontecer na vida das personagens, porém não é comum que ocorra com todo mundo. Pode ter um caráter real ou fantástico da mesma forma que o tempo pode ser cronológico ou psicológico.

Permeia o realismo fantastico, povoado de magia, mitos e relatos é uma narrativa onde a o epsódio se passa entre acontecimentos históricos, ou mais geralmente, no qual o memorial e tempo de acção se intercala no relato, emprestando o ton de realismo fantástico, induzindo o leitor a interação no preenchimento das elipses narrativas e entender a história por traz da história contada numa ação minimalista
Em seus relato oral e tradicional de contornos verossímeis e também ocorrendo dentro do maravilhoso e do sobrenatural. Pode mencionar fatos possíveis. O conto é de importância capital como expressão da psicologia coletiva no quadro da literatura oral de um grupo, principalmente o negro sergipano, excluido e marginalizado pelas ações das intolerâncias institucionais.
As suas diversas modalidades, os processos de transmissão, adaptação, narração, os auxílios da mímica, entonação, o nível intelectual do auditório, sua recepção, reação e projeção, determinam o valor supremo como um dos mais expressivos índices intelectuais populares.
O conto ainda documenta a sobrevivência, o registro de usos, costumes e fórmulas jurídicas esquecidas no tempo. A moral de uma época distante continua imóvel no conto que ouvimos nos nossos dias.